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Economia e Negócios

No Brasil, educação de má qualidade submete indivíduos a situação análoga à escravidão

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Renato Galeno Entrevistador(a)
Publicado em: 2 de agosto de 2024

ENTREVISTADOS

Não há dúvidas de que o capital humano é central no processo dos desenvolvimentos econômico e social de qualquer país — e a educação é um dos pilares da formação de um capital humano qualificado. 

O filósofo e economista Eduardo Giannetti alerta: a falta de acesso à educação de qualidade e ao domínio da linguagem tolhe as capacidades de expressão e articulação de pensamentos, desejos e escolhas dos indivíduos. Segundo ele, esse cenário restringe liberdades

“Não adianta dizer a uma pessoa analfabeta que ela é livre para ler Machado de Assis, Nelson Rodrigues ou Guimarães Rosa. Assim como dizer a alguém que está passando fome de que ele é livre para ir ao melhor restaurante da cidade. É uma liberdade completamente vazia”, explica. 

“A liberdade genuína, profunda, é quando a pessoa tem meios para exercer a escolha de ler, de gastar o dinheiro dessa ou daquela maneira. Caso contrário, é realmente uma piada de mau gosto dizer que um analfabeto é livre para fazer o que quer. Ele não é”, completa. 

De acordo com Giannetti, a falta de acesso à educação no Brasil faz com que muitos vivam em uma situação análoga à escravidão. “É a escravidão da ignorância. O escândalo da má qualidade do ensino no Brasil é o análogo do século 21 à escravidão. É da mesma ordem de gravidade”, explica. 

Em entrevista ao Canal UM BRASIL — uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, Giannetti também reflete sobre o momento atual da relações políticas e econômicas entre os países e alerta a respeito da necessidade de repensar os valores que norteiam a sociedade. 

O filósofo também conversou com o UM BRASIL em 2018, quando destacou o tamanho do Estado brasileiro e o seu modelo de tributação. Já em 2022, em novo bate-papo, avaliou os desafios da humanidade frente à emergência climática. Neste ano, em evento que comemorou dez anos do Canal, Giannetti abordou os rumos do País diante das mudanças nas cadeias de distribuição globais.

O fim da hiperglobalização  

A partir da década de 1980, o mundo viveu um processo de hiperglobalização que gerou grandes impactos à interdependência entre os países. “Diante da possibilidade de obter um custo de produção muito mais baixo, houve um deslocamento em grande escala dos investimentos e dos fluxos de capital, buscando eficiência, produtividade e competitividade”, explica. “Isso levou a um grau de integração, e de internacionalização das relações econômicas, como jamais visto na história da humanidade.”

Para ele, a pandemia e as recentes tensões geopolíticas mundiais sacudiram essa profunda integração entre as nações. Mercados comerciais e financeiros foram completamente afetados pela vulnerabilidade às quais as cadeias produtivas foram expostas no último período. 

“Como as cadeias globais de produção ficaram muito concentradas em poucos fornecedores, o que a pandemia e as guerras demonstraram é que, se há um problema num elo da cadeia, toda essa cadeia para de funcionar”, afirma. Giannetti cita, como exemplos, o mercado de chips de alta tecnologia, concentrados em Taiwan, foco de tensões geopolíticas, e o mercado de produtos farmacêuticos ativos, até então concentrados na China e na Índia.

“Frente a essa vulnerabilidade, a lógica da eficiência e da produtividade, que presidiu a hiperglobalização, passou a ser questionada. Esta pressupõe uma estabilidade e um grau de confiabilidade de fornecedores com o qual não se pode contar”, completa. Segundo Giannetti, hoje, a tendência dos países é buscar um novo sistema que garanta segurança e diversificação às próprias economias. 

Desinformação

Outra tendência global que se aprofundou na última década foi a desinformação. As fake news já se mostram um fenômeno consolidado nas dinâmicas social e política dos países em todo o mundo. Nesse contexto, o filósofo reflete sobre o que chama de “sincronia do autoengano”. 

De acordo com ele, em diversas situações, as sociedades vivem algo ainda mais perigoso que a criação e a difusão consciente de mentiras e notícias falsas. Há casos em que as pessoas sabem que estão compartilhando desinformação. Em outros (ainda mais críticos), se convencem de que as mentiras compartilhadas são verdadeiras. 

“Existem situações em que se tem uma espécie de sincronia do autoengano. Muitas pessoas embarcam coletivamente em uma mentira que contam para si mesmas”, ressalta. “Indivíduos contrariados, desapontados, ressentidos, que têm muito medo, acabam se apegando a tudo aquilo que reforça o que eles acreditam.”

Segundo Giannetti, muitos atores políticos se tornaram especializados em alimentar a raiva, a insatisfação e a descrença coletivas. “Esse mecanismo é tão antigo quanto a humanidade. A novidade é a tecnologia, que permite uma rápida e contagiosa viralização da sincronicidade do autoengano”, completa. 

Questão ambiental 

O economista ainda questiona se será necessária uma “pedagogia da dor” para que os países adotem, de fato, um desenvolvimento sustentável e preocupado com a emergência climática. 

“Terá de haver muito sofrimento para que, finalmente, aconteça algum tipo de ação mais decisiva quanto às mudanças que nós vamos ter que encarar para resolver esse problema”, afirma. De acordo com ele, repensar o modelo atual de sociedade passa por ponderar acerca  da forma como países e governos lidam com a questão ambiental

“Esse obstáculo tem duas características com as quais não estamos acostumados a lidar. A primeira nos obriga a pensar numa dimensão temporal longa, para a qual nós não estamos adaptados, que é pensar 50 ou 100 anos à frente”, diz. 

Levando em conta os próprios mandatos, os governantes têm à vista apenas os próximos quatro ou oito anos. “Provavelmente, qualquer tentativa de pensar num prazo muito longo será custosa do ponto de vista eleitoral e da viabilidade política daquele grupo”, completa

Outro desafio referente ao assunto é que nenhum país pode resolvê-la de forma isolada. “É um momento no qual as fronteiras nacionais se tornam muito relativas. Os problemas que estamos enfrentando hoje são de abrangência e amplitude planetárias, que estão muito além da capacidade de qualquer nação isoladamente resolver”, conclui.

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