“O Brasil é um país que foi criado pelo Estado.” Esta é a tese defendida pelo cientista político Murillo de Aragão. Segundo ele, “não foi a sociedade que criou o País. Não houve um movimento de independência no qual as comunidades se uniram e lutaram pela sua liberdade. Foi sempre alguma jogada da elite governante dos Estados”.
Aragão, que também é advogado e fundador e CEO da Arko Advice Pesquisas, defende que o autoritarismo que marcou a fundação do Brasil também está no cerne do parlamentarismo nacional. “Foi assim na República, foi assim em 1930 e foi assim em 1945, quando a redemocratização e todos os movimentos sucessivos foram sempre muito autoritários, consensuados na alta cúpula do País e tendo como marca um autoritarismo presidencialista”, comenta.
A supremacia do Estado sobre a sociedade e a excessiva burocratização tornam o País juridicamente inseguro, defende. “O Brasil é um país, como eu disse, que foi criado pelo Estado e foi tudo feito pelo Estado. E quem não era amigo do Estado estava ‘ferrado’, ou quem não trabalhava para o Estado não ganhava dinheiro. Ou, ainda, quem não se aposentava pelo Estado ganharia menos aposentadoria do que quem era um trabalhador privado”, completa.
Aragão ainda destaca que, mais recentemente, a morosidade do sistema judicial, a complexidade do sistema jurídico, as disputas no Supremo Tribunal Federal (STF), a grande quantidade de leis e um sistema tributário confuso, entre outros fatores, potencializam a sensação de insegurança.
Em entrevista ao Canal UM BRASIL — uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, o cientista político analisa as origens das práticas políticas e os rumos da governabilidade no País.
Instituições fortes
Apesar das instabilidades jurídicas, o País ainda é considerado uma nação de instituições fortes e de confiança, avalia Aragão. “A melhor prova dessa confiança é se ter a dívida interna brasileira na mão de mais de 90% dos brasileiros.” De acordo com o cientista político, o Brasil vive uma situação bem diferente de países como a Argentina, onde a população prefere investir dinheiro no exterior, em razão da grande instabilidade.
“Nós temos instituições fortíssimas no Brasil, além de dinamismo econômico. É evidente que essa qualidade das instituições públicas e privadas evitou que virássemos uma Argentina ou uma Venezuela”, conclui.
Disputas entre poderes
“Hoje, falta diálogo. Aliás, está faltando diálogo há muito tempo. O confronto constante nos atrasa”, avalia Aragão. Para ele, o País vive uma situação de fragmentação entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
“O Brasil tem uma tradição de conflitos entre poderes. É uma santíssima trindade que não funciona muito bem. Não há uma divisão clara das competências de cada um, mas uma intromissão de um poder sobre o outro”, reflete.
Aragão também avalia que momentos históricos de maiores avanços no País foram marcados por uma integração entre esses três poderes. Atualmente, o Poder Executivo tem sofrido um baque, ao passo que o predomínio do presidencialismo, prevalecente nas últimas décadas, está decaindo, avalia. Projetos de Lei (PLs) de autoria do Executivo diminuíram, assim como as Medidas Provisórias (MPs). Ao mesmo tempo, crescem as derrubadas dos vetos parlamentares pelo Congresso — e para a sociedade, no geral, há uma crise de representatividade.
Lugar do Brasil no mundo
Segundo Aragão, o Brasil ocupa um lugar periférico no mundo e ainda “não é parte do jogo”. Ele avalia que o País se acanha diante de críticas e tem grandes problemas de narrativa e autoestima.
“Eu sou otimista. Acho que o Brasil é muito melhor do que parece. Sofremos de um ‘complexo de vira-lata’. Há tantos lugares, inclusive desenvolvidos, que têm problemas tão sérios quanto o Brasil”, avalia.
O cientista político alerta que o País se destaca mundialmente em muitos setores, como na questão ambiental. Para ele, temos uma visão avançada em relação a essa pauta ao entender que, quando falamos de meio ambiente, não mencionamos apenas a conservação de florestas. Falamos também das formas de produzir alimentos e dos acessos à água e ao saneamento básico, aspectos discutidos por aqui e ignorados em outros países.
“A Noruega tem 51% do PIB de óleo e gás e, agora, aprovou legislação para explorar o minério no fundo do mar. Enquanto isso, apontam o dedo para nós aqui, que estamos tentando produzir alimentos dentro de um padrão de qualidade em um país continental. E nós nos punimos com isso”, conclui.