O mundo está encerrando o atual ciclo de hiperglobalização. Essa é uma das tendências apontadas pelo economista e filósofo Eduardo Giannetti. Além disso, ele destaca outros dois movimentos globais, cujos atuais ciclos de fechamento afetam direta ou indiretamente o Brasil: a era de inflação e juros baixos e o milagre chinês.
Giannetti, durante palestra no evento de comemoração dos dez anos do Canal UM BRASIL — uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, abordou que, desde meados dos anos 1980, o mundo vive o processo de globalização. Em algumas décadas, centenas de milhões de trabalhadores asiáticos foram integrados ao mercado global, gerando implicações econômicas e políticas. Setores industriais inteiros deslocaram as linhas de produção para onde o trabalho seja mais barato e a produtividade, maior. “No entanto, o que se revelou com a pandemia, as guerras e o aumento da tensão geopolítica é que essa hiperglobalização tem um ‘calcanhar de Aquiles’: restringe o número de fornecedores e aumenta a vulnerabilidade dos negócios a poucos fornecedores”, ressaltou Giannetti.
De acordo com os dados da consultoria McKinsey, para 180 produtos vitais da economia mundial, existem menos de três fornecedores no mundo. “Ao analisarmos ingredientes farmacêuticos ativos, observaremos que 80% da produção estão concentrados em dois países: China e Índia”, exemplificou. Toda essa vulnerabilidade é revista por empresas e governos com um movimento de reorientação dos grandes investimentos em busca de mais segurança e diversificação. “Essa concentração de investimentos nas áreas econômicas que oferecem menor custo de produção acabou, e esta pode ser bom para o País, que esteve fora desse processo de hiperglobalização, com exceção do agronegócio. Podemos ter uma participação bem maior se soubermos aproveitar o novo momento de reorientação de investimentos e a presença nas cadeias internacionais de produção”, afirmou.
Perspectivas da macroeconomia
O segundo grande ciclo que termina é a anomalia, em termos de macroeconomia internacional, de juros e inflação extremamente baixos. Os números mais recentes da inflação norte-americana apontam que a expectativa de que os juros poderiam começar a cair de forma mais intensa, neste ano, não vai se concretizar. Apenas 20% dos analistas acham que os juros vão recuar a partir de junho. “Devemos voltar para o juro real em territórios positivos, o que não é boa notícia para nenhum mercado emergente, inclusive o Brasil, que está em um ciclo de redução de juros”, comentou. Esse desequilíbrio, avaliou Giannetti, também tem relação com a hiperglobalização, que reduziu os custos de produção e barateou os produtos no comércio internacional.
O milagre chinês, frente ao crescimento de dois dígitos, é, segundo o imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), o terceiro ciclo perto do fim. “Hoje, fala-se em alta de 5% — e mesmo esse patamar suscita dúvidas. A população que estava nas áreas rurais já foi incorporada, e o crescimento passa a acontecer mais por meio de ganhos de produtividade, que não são tão fáceis”, explicou. O declínio da China abre oportunidades para outros países, como o nosso. “O fim da era de juros e inflação baixas não é uma boa notícia, mas não é um desastre; já o declínio da China libera para outros países emergentes possibilidades de atração de capitais”, enfatizou.
Desigualdade limitante
Ao avaliar como os problemas estruturais do País comprometem as capacidades de criação, inovação e geração de riqueza, Giannetti ressaltou que é uma ilusão pensar que a desigualdade será resolvida com políticas de distribuição e transferência de renda, capazes somente de atenuar situações emergenciais. O futuro do Brasil, opinou, não será decidido em uma reunião do Copom [o Comitê de Política Monetária do Banco Central, que decide a taxa básica de juros], nas profundezas do pré-sal, na Bolsa de Valores ou em gabinetes de ministérios, mas nas milhares de salas de aula espalhadas pelo território nacional. “Os talentos econômicos, culturais, artísticos e tecnológicos, por uma falta de condição elementar na partida, se veem privados do seu potencial e da sua realização plena.”
Mais produtividade
Diante do envelhecimento da população, outro desafio será o de aumentar a produtividade. O Brasil está vivendo o fim do bônus demográfico, com mudanças na estrutura etária. De 12% da população acima de 60 anos, em 2015, o País terá 30%, em 2050. “A pirâmide etária virou um barril, e em 2050 vai virar um cogumelo. Se não melhorarmos a produtividade do trabalho dos brasileiros, como vamos sustentar o topo desse cogumelo?”, questionou.
Na opinião do economista, é a produtividade — e não a Reforma da Previdência — que precisa estar em pauta. A solução seria aumentar o resultado econômico gerado pelo trabalho de cada brasileiro, o que precisaria ser feito investindo em três frentes: por meio do capital físico, do capital humano e das instituições, investindo nos incentivos adequados e direcionando os fatores produtivos do País para onde sejam mais relevantes. “Nos últimos 70 anos, apenas 12 países conseguiram vencer essa batalha, e todos fizeram isso aumentando a exportabilidade do PIB [Produto Interno Bruto]”. São três os caminhos: vender manufaturados, vender serviços ou aumentar as vendas externas de commodities, argumentou.
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