No dia 7 de setembro de 2022, o Brasil completou dois séculos como país independente. Ainda que a história da busca por soberania abra espaço para fatos e processos ocorridos longe das margens do Riacho do Ipiranga – isto é, não se limitando à versão oficial, cujo símbolo é o grito de independência proferido por Dom Pedro I –, todas as narrativas têm um ponto em comum: a anulação do papel das mulheres que contribuíram para a emancipação do País.
Ao UM BRASIL, uma realização da FecomercioSP, as historiadoras Heloisa Starling, brasileira, e Isabel Corrêa da Silva, portuguesa, apontam como as mulheres foram “esquecidas” nos documentos que registraram a desvinculação da emergente nação sul-americana dos ditames do reino de Portugal.
“A melhor maneira de apagar o protagonismo da mulher é esquecê-la”, destaca Heloisa, que, recentemente, lançou, em parceria com Antonia Pellegrino, o livro Independência do Brasil: as mulheres que estavam lá.
A autora, além disso, enfatiza a dificuldade em localizar as mulheres nas páginas da história nacional. “Está tudo apagado, não tem documento”, frisa Heloisa.
Isabel Corrêa, por sua vez, afirma que, em Portugal, os registros disponíveis sobre a Independência brasileira também suprimem o protagonismo feminino durante as primeiras décadas do século 19.
“Buscar a história das mulheres, mesmo aqui em Portugal, é um desespero. Onde estão as fontes? É a história do silêncio”, frisa Isabel.
Além da falta de documentação, Heloisa salienta que a história de algumas mulheres foram alteradas por descendentes, com o intuito de torná-las donas de casa, atividade que lhes seria digna, tendo em vista que participar da política seria “atravessar a fronteira mais proibida”.
“O mais complicado é que os descendentes dessas mulheres fizeram o favor de trazê-las de volta para a esfera doméstica. Então, eles fazem a história. (…) A mulher que participa da Conjuração Mineira, por exemplo, não sabemos o rosto dela. Não existem sequer descrições dela, se era loira ou morena”, ressalta.
Independência além do Ipiranga
No debate, as historiadoras também pontuam fatos que circundam a declaração oficial de Independência.
Segundo Isabel, Dom Pedro I (chamado, em Portugal, de Dom Pedro IV), ao anunciar a soberania brasileira, não se desvinculou completamente do trono lusitano.
“É uma espécie de guerra que tenho nos últimos tempos, da declaração da verdade: Dom Pedro não foi rei de Portugal e do Brasil [por] dois meses. Ele foi rei de Portugal e do Brasil durante quase dois anos”, indica.
“Durante os anos de 1826, 1827 e mesmo 1828, toda a legislação produzida em Portugal é em nome de Dom Pedro IV. Ele é rei de Portugal durante dois anos. E a regência de Dona Isabel Maria, irmã de Dom Pedro e de Dom Miguel, ocorre em nome do irmão, e não em nome da sobrinha”, explica, referindo-se a Maria II, filha de Pedro I que, conforme a abdicação do pai, deveria assumir o trono português.
Ademais, Heloisa ressalta que o “projeto vitorioso de Independência, capitaneado por Pedro I”, mantém a monarquia e a escravidão. Contudo, processos emancipatórios desvinculados do aparato real ocorriam em algumas regiões do País.
“Quando olhamos para esta questão das relações com Portugal, estamos olhando para um projeto que dá continuidade a uma monarquia – e com a mesma casa. É por isso que essa é uma das razões pelas quais vemos a história só por um lado. Talvez valha a pena olhar para o que está além do Ipiranga”, reflete a historiadora brasileira.
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