Repressão à pluralidade derruba mito de país cordial
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Antes mesmo da chegada dos portugueses, o território que viria a ser chamado de Brasil já era, do ponto de vista populacional, bastante diverso. Contudo, as quase 400 etnias indígenas ainda presentes no País convivem com a exclusão social. Além disso, a nação formada pela miscigenação de povos de várias parte do mundo passa, atualmente, por um acirramento da xenofobia, cujo preconceito recai, especialmente, sobre imigrantes oriundos da África.
Diante desse cenário, o escritor, ambientalista e líder indígena Kaká Werá e a professora de Terapia Ocupacional e coordenadora de direitos humanos da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Debora Galvani, comentam, em debate promovido pelo UM BRASIL, que a repressão à pluralidade desmistifica a ideia de que o Brasil é um país cordial.
Nesse sentido, Werá ressalta que o preconceito ao indígena está enraizado na legislação nacional. “A sociedade brasileira nos ‘invisibiliza’ de uma maneira terrível. O indígena já era excluído cultural e socialmente e, do ponto de vista do Estado, não existia. A regra que a lei seguia, amenizada pela Constituição de 1988, era do século 16, que dizia que indígena não tinha alma, tanto que era chamado de ‘gentio’, que, na língua portuguesa arcaica, significa ‘coisa, sem alma’”.
Segundo ele, a Carta Magna em vigor não resolveu o problema, pois somente prevê que o indígena é “relativamente capaz de exercer cidadania”. Ademais, Werá salienta que o Brasil não reconhece a cultura indígena como parte da origem do País e critica os livros didáticos quanto a isso: “Noventa por cento do que eu aprendi na escola e falam que é a verdade são fake news. A maior parte dos livros de História que eu estudei era notícias falsas sobre as raízes do Brasil”, pontua.
Debora, por sua vez, destaca que, embora o Estado brasileiro tenha feito acordos para receber refugiados, há um aumento da xenofobia no País. Contudo, a discriminação ao estrangeiro é seletiva.
“Há uma parte da população imigrante que é muito bem-aceita pela sociedade brasileira. Mas quando pensamos na imigração de pessoas que vêm do continente africano, sobretudo a maioria negra, independentemente da classe social, deparamo-nos com uma sobreposição de preconceitos, que é ser negro no Brasil, ser africano e tudo aquilo que a sociedade brasileira entende sobre África e ser estrangeiro”, assevera.
A professora da UNIFESP diz que esse problema fica ainda mais evidente no tratamento recebido por mulheres muçulmanas. “Elas sofrem bastante por causa do uso do véu. Então, há várias situações as quais elas relatam que, quando estão em espaços públicos, são xingadas e ofendidas. A associação entre o Islã e o terrorismo é algo muito dramático. Se a mulher está no ônibus, vem alguém e diz que é terrorista”, frisa.
O debate sobre respeito à pluralidade foi tema da quinta aula do curso de extensão UM BRASIL Sustentável: visões, desafios e direções, desenvolvido pelo canal em parceria com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) e o Programa de Mestrado em Análise Ambiental Integrada, da UNIFESP.

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