“Frente a um cenário de ascensão virulenta, conservadora, reacionária e com tonalidade protofascista, ocorre algo muito potente no momento em que vozes historicamente silenciadas, ou historicamente alvo destes levantes, se colocam e são escutadas”, pondera Rita Von Hunty, arte-educadora e drag queen. Em entrevista ao UM BRASIL, uma realização da FecomercioSP, ela afirma se somar “a um conglomerado dessas vozes”.
“Eu não sei ao certo o quão consciente estou a respeito do meu trabalho artístico, que, em algum ponto, tem a ver com uma pincelada de olhos fechados. Eu sou um professor e sou uma drag queen. Agora, escuto, com dimensão, que isso significa alguma coisa para quem me acompanha. Eu fico desejante e esperançosa de que uma geração possa crescer sabendo que existe uma possibilidade de ser queer, sem que haja nenhum demérito nisso, e, também, que a humanidade precisa ser estendida para todos os corpos”, diz.
“Conforme me falaram recentemente, encontrar a Rita não ofende ninguém. É como se esta figura de uma mulher de meia-idade, que é, ao mesmo tempo, uma professora respeitável e uma piada – e que é uma mulher bonita e um ‘cara’ –, faz com que haja um lugar de horizontalidade. As pessoas dão mais ouvidos, eu tenho mais facilidade em falar ‘com’, e não falar ‘para’.”
Esta é a quinta entrevista da série UM BRASIL e BRASA EuroLeads – um novo olhar sobre o Brasil, com apoio da Revista Problemas Brasileiros (PB).
Contradições que formam o Brasil
Na conversa, Rita avalia diversas contradições que compõem o Brasil como sociedade, tal qual a busca por reconhecimento como “país do carnaval”, ao mesmo tempo que pleiteia ser uma nação cristã, conversadora, monogâmica e tradicionalista. “Contudo, são as contradições que nos interessam, é delas que a gente caminha”, destaca. “O Brasil é o país que mais consome, no mundo, pornografia de mulheres trans e travestis, e, coincidentemente, é também é o que mais mata [estas pessoas].”
Outro ponto abordado na entrevista é o desalinhamento entre o atual discurso de muitas corporações, em relação à defesa da diversidade, e a impossibilidade de realização da inclusão na prática material produtiva, ao menos neste tempo. Este desalinho aponta mais uma contradição, ela esclarece. “Somos um país com grandes intelectuais negros e artistas provenientes da negritude. Entretanto, quando voltamos para a base material, vemos que a nossa classe trabalhadora com a mão de obra mais explorada é composta por mulheres negras, as mais vilipendiadas em nossa estrutura.”
Ainda em relação ao desalinhamento e à contradição, Rita também comenta que, embora, por uma via formal (em termos de rentabilidade e lucro), um clube esportivo acredite ser financeiramente mais saudável desligar um jogador homofóbico, a rede social – robotizada (ou não) –, faz com que o número de seguidores deste sujeito cresça de forma vertiginosa. “Superestruturalmente, existe a ideia de que se trata de um discurso com o qual a organização não compactua; mas, estruturalmente [na sociedade], será que isso se prova? A resposta é não”, conclui.