Apesar do importante avanço ao equilíbrio orçamentário, há, no caminho do arcabouço fiscal, uma “avalanche” de despesas supérfluas do Poder Público, gastos obrigatórios e custos previdenciários não revisados, além de programas que não geraram os resultados que prometiam. E como se não bastasse, são poucos os indicativos de que isso será revisto em breve. Segundo Felipe Salto, economista-chefe de Política Fiscal da Warren Rena, em entrevista ao Canal UM BRASIL — uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, o desafio de se criar uma nova regra não chega perto da complexidade de “combinar” que esta seja cumprida pelo Congresso, pela Suprema Corte, por Estados e municípios e, até mesmo, pelos núcleos mais “gastadores” dentro do governo.
“Somos pródigos em criar regras, mas não em cumpri-las. Do atual orçamento primário do País, 93,6% estão comprometidos com gastos obrigatórios, com algum grau de indexação ou vinculação. Nos 6,4% que sobram, também há amarras, pois o Congresso começou a aumentar a fatia via emendas parlamentares, cujo volume, já considerando o que foi vetado pelo presidente da República, é de R$ 47,4 bilhões. O volume total de investimentos públicos do País é de R$ 54,5 bilhões, praticamente a mesma coisa”, adverte o economista.
De acordo com Salto, o desafio fiscal é melhorar a composição do gasto e conter o seu crescimento. Contudo, o próprio Congresso — que aprovou e compreende a necessidade de um arcabouço — não demonstra um alinhamento completo quanto a isso. “Temos um Legislativo muito forte, com uma estrutura muito boa, mas o Executivo está cada vez mais acuado. O presidente da República vetou a desoneração da folha de pagamento, e o Congresso derrubou esse veto, mas não foi responsabilizado por ter imposto uma lei que gerará uma renúncia na casa de R$ 20 bilhões sem compensação.”
Ao mesmo tempo, os Estados acionam a Justiça para evitar pagar a dívida com o governo federal, com várias contrapartidas não cumpridas ao longo dos anos. Segundo o economista, mesmo que se criem novas renegociações com os entes que estão em situação mais crítica, é essencial que haja imposições claras de pagamento. “E o STF não poderia ‘dar’ o perdão [à divida] e deixar o Estado sem pagar, que é o que está acontecendo.”
A solução deveria partir, então, do diálogo por uma contabilidade pública que ponha as contas nos trilhos. Isso seria possível com a criação de um conselho de gestão fiscal — como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal —, composto por Estados, municípios, Supremo Tribunal Federal (STF) e União.
Estado gasta, mas não investe
Sem que se melhore a qualidade, a composição do gasto e que se limite o seu crescimento, Salto acrescenta, o caminho fica mais livre para o aumento da carga tributária, o que comprometerá as condições para o País se expandir.
“Outro grande desafio do Brasil é o crescimento econômico. Nós perdemos a capacidade de planejar, e o Estado brasileiro deixou de investir. O investimento público caiu, mas o privado aumentou muito pouco. Enquanto gastarmos muito e mal, continuaremos observando um crescimento baixo. A agenda prioritária, a meu ver, é melhorar a composição do gasto. Não conseguiremos reduzi-la tão cedo, mas já podemos conter a sua expansão com o arcabouço”, reflete.
Ainda em relação à composição dos gastos, Salto destaca que será possível reduzir as despesas obrigatórias (no futuro) ao se revisarem as rubricas orçamentárias que há décadas são carregadas inercialmente no orçamento, além do corte de programas governamentais que não dão mais resultados. “Assim, abriremos espaço no orçamento para contemplar despesas de melhor qualidade. A outra frente é conter as bombas fiscais que o Congresso vive aprovando, relacionadas à renúncia de receita”, conclui.