Redes sociais impactam o futuro das políticas públicas nas democracias
ENTREVISTADOS
As redes sociais têm o poder de influenciar o futuro das políticas públicas e das tomadas de decisões de gestores políticos nas democracias. É o que avalia Silvério Zebral Filho, chefe da Unidade de Governança Pública da Organização dos Estados Americanos.
Em entrevista ao Canal UM BRASIL, Zebral afirma que em sociedades altamente conectadas, as políticas públicas são modificadas pelos debates que acontecem no mundo virtual.
“A prestação de contas tem que ser automática. Muitas vezes você tem que reverter uma política pública porque você perdeu a narrativa no embate entre grupos nas redes sociais. Você não é nem capaz de saber se a política pública seria positiva se fosse aplicada”, afirma.
Para Zebral Filho, as redes sociais passaram a influenciar inclusive a autonomia decisória dos gestores de políticas públicas. “Nada é feito para durar. E na gestão pública isso implica um desafio para o planejamento”, explica.
Estas avaliações fazem parte de uma pesquisa da OEA, em parceria a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), sobre o futuro das democracias e governos após o período pandêmico.
A pesquisa chegou à conclusão de que os governos no continente americano têm sido impactados pela compressão de demandas por políticas públicas e falta de recurso fiscal. Essas democracias precisam lidar com desafios como o aumento dos fluxos migratórios, fragmentação política, polarização dos grupos sociais e a influência das redes sociais.
A entrevista sobre democracia e gestão pública na era digital foi promovida pelo Canal UM BRASIL – uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) – em parceria com o Renova Brasil e com a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Desafios da sociedade conectada
As redes sociais são espaços de liberdade de expressão onde, por meio de “perfis”, pessoas emitem opiniões e participam de debates. Mas é preciso que os indivíduos sejam responsabilizados por suas ações no mundo virtual, assim como acontece fora dele.
“Aquilo que é proibido no mundo real, na rua, nos ambientes privados, também deveria ser proibido no mundo virtual”, afirma Zebral Filho.
Para ele, é preciso usar a tecnologia a favor de identificar quem são os indivíduos por trás de perfis nas redes sociais e responsabilizá-los pelo o que é publicado e por como se comportam no mundo virtual.
“Nas redes sociais, tem a promessa da liberdade, de um espaço de expressão de grupos que nunca encontraram veículos de expressão”, comenta. “Agora, a toda liberdade corresponde uma responsabilidade. E é impossível responsabilizar alguém de alguma coisa, se você não identifica esse alguém.”
Espetacularização da mensagem
Zebral Filho analisa também como políticos, gestores públicos e comunicadores no geral têm usado a internet para engajar determinados grupos sociais.
Para ele, a “espetacularização da mensagem” é uma estratégia usada, principalmente nas redes sociais, para captar a atenção e o engajamento do público em uma “sociedade sobrecomunicada”, um mundo repleto de estímulos audiovisuais que disputam a atenção dos indivíduos.
“É comunicar usando o arquétipo, o simples, o caricato, e criando viéses – muitas vezes negativos – sobre o outro, sobre um determinado grupo social ou uma ideia”, afirma.
Para Zebral Filho, é justamente nesse “outro” que essa espetacularização da mensagem gera a reação mais radical.
“Esse ruído cognitivo – que alimenta a polarização – tem a ver com uma sociedade sobrecomunicada”, afirma. “Não é que nós ficamos, da noite para o dia, mais intolerantes. É que, numa sociedade sobrecomunicada, para se conseguir chamar a atenção do cidadão para uma política pública, ou mesmo para uma candidatura, é necessário espetacularizar a mensagem, e por vezes isso implica em rivalizar”, explica.
Fragmentação política
Para Silvério Zebral Filho, a fragmentação política é uma tendência em diversas democracias pelo mundo desde o pós-Guerra. “Não há lugar no mundo – exceto naqueles que transitaram para a autocracia – onde não ocorreu uma fragmentação dos partidos políticos”, explica.
“No final da Segunda Guerra, os partidos políticos representavam segmentos sociais muito bem marcados. Você tinha o empresário, o operário, o funcionário público, o missionário, o campesino. Tinha um partido de esquerda agrária, um partido dos donos de negócios, os partidos mais trabalhistas, ligados à classe média funcionária pública”, explica.
Segundo Zebral Filho, o que explica o alto número de partidos que existem hoje é que a sociedade não se divide mais em papeis sociais tão específicos e segmentados.
O crescimento do acesso ao mundo virtual e às redes sociais intensificou essa fragmentação e, também, a polarização política.
“O mundo das redes virtuais, da virtualidade, potencializa essa divisão”, reflete. “É o mundo do debate, da formação de opinião. Ao meu juízo, desinformada. Mas essa opinião tem que aterrissar no mundo concreto”, completa.
No mundo real, de acordo com Zebral Filho, essas opiniões se transformam em narrativas sociais, em embates e também em políticas públicas, em normas. “E aí você precisa formar um consenso mínimo”, conclui.
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