Brasil precisa ampliar a educação política da população para fortalecer a democracia
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Não existe a ideia de democracia se não existir o conceito de educação política para a democracia. A afirmação é do cientista social Humberto Dantas, durante palestra no evento de comemoração dos dez anos do Canal UM BRASIL — uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Segundo ele, o Brasil precisa reforçar a participação cidadã na política para fortalecer os exercícios da cidadania e da democracia no País. Autor e organizador de livros sobre o tema, que também abordam o sistema eleitoral, a governabilidade e a participação política, Dantas avalia que o País passou um século e meio quantificando, e não qualificando, a própria democracia. “A expansão do sufrágio durante parte do século 19 e, em especial, ao longo do século 20, infelizmente, não foi acompanhada por uma qualificação das pessoas que ganharam o direito de escolher os seus representantes nos processos eleitorais. O quanto somos capazes de educar a população para o exercício da democracia em uma nação democrática?”, questiona o mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).
Na avaliação de Dantas, que colabora como entrevistador do UM BRASIL desde 2016, a sociedade brasileira “patina” no sentido de saber que alguma atitude precisa ser tomada, mas não é capaz de debater quais seriam as melhores alternativas para fortalecer essa democracia. “Por exemplo, diz o artigo 205 da Constituição: educação é direito de todos e dever do Estado, inclusive para o exercício da cidadania e o preparo para o trabalho. Por que ainda estamos discutindo se precisamos ensinar cidadania e democracia nas escolas, sendo que a Constituição de 1988 já diz isso?”, pergunta o cientista político, que adverte que o argumento de que a Carta brasileira é relativamente nova não é válido, uma vez que escrevemos sobre esse direito também nas leis sobre a educação do Brasil na época da Proclamação da República (15 de novembro de 1889). “O que significa que o Estado brasileiro está dizendo, há mais de cem anos, que nós somos os responsáveis pela educação formal das pessoas para o exercício pleno da democracia”, completa.
Dantas acredita, também, que temos respostas para quem argumenta sobre os desafios de ordem de abordagem e ideológicos para o avanço dessa questão no País. “Seremos nós efetivamente incapazes de construir bons métodos, materiais e parâmetros educacionais? Eu tenho a mais absoluta certeza que somos extremamente capazes de escrever sobre a importância da cidadania nas escolas”, afirma, citando como exemplos bem-sucedidos de discussão de qualidade sobre educação a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os debates em torno do novo ensino médio.
Empresas precisam fortalecer a democracia nas práticas cotidianas
Coordenador do curso de pós-graduação em Ciência Política na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e da graduação em Gestão Pública na Escola de Ensino Superior da Fipe (FipeEES), Dantas cita também documentos elaborados por organizações de credibilidade, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Unesco e o Instituto Ethos, como exemplos e referências quanto ao respeito da importância de políticas educacionais para o exercício da cidadania e da democracia, bem como para o desenvolvimento das sociedades.
Nesse contexto, ressalta a importância e a necessidade do envolvimento da iniciativa privada para o amadurecimento e o fortalecimento da democracia nas práticas cotidianas. “No universo empresarial, temos suficiente capacidade de reconhecer o papel dessas organizações em termos sociais. Se as empresas ancoram as suas ações de responsabilidade social em temáticas escolhidas de forma livre — e é bom que seja assim —, por que não definir o desenvolvimento da democracia como uma temática central nas agendas de responsabilidade social desses negócios no Brasil?”, conclui.
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