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Crise política fomenta o poder das presidências da Câmara e do Senado

DEBATEDORES | Andréa Freitas

A principal consequência da crise política que o Brasil enfrenta há, pelo menos, uma década é a expansão do poder das presidências da Câmara e do Senado, que controlam o orçamento e a pauta do Legislativo. O Centrão, dentro do xadrez político atual, não é protagonista. Essa é a avaliação de Andréa Freitas, coordenadora do Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em entrevista promovida em parceria entre a Revista Problemas Brasileiros (PB) e o Canal UM BRASIL, ambas realizações da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

Segundo a mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), essa concentração de poder nas mãos dos chefes do Legislativo gera aumentos da corrupção, da polarização política e da concessão de benefícios para determinados setores, elevando a dívida pública. O Brasil encara essa crise desde 2013, data das chamadas “Jornadas de Junho” (série de mobilizações ocorridas simultaneamente em mais de 500 cidades do Brasil), momento em que marca o acirramento do processo de distanciamento entre a sociedade e as instituições e a redução da popularidade da Presidência da República, tornando as relações entre os poderes mais complicadas.

A longa duração da crise, avalia Andréa, é explicada por uma sequência de erros nas ações e nas estratégias adotadas pelos atores políticos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário a partir das Jornadas de Junho. “A resposta foi muito insuficiente, o que estimulou a sensação antipartidária por parte da população. Depois, tivemos uma eleição polarizada e questionada por um dos candidatos [O PSDB contestou a vitória de Dilma Rousseff, do PT, no segundo turno], o que deslegitima o sistema eleitoral para um conjunto da população e para a própria classe política, além do impeachment de um presidente [Dilma Rousseff, em 2016] em um contexto no qual se possibilita também discutir a legitimidade desse processo. Em paralelo, a Operação Lava Jato [deflagrada entre 2014 e 2021] passa a atingir um número cada vez maior de pessoas no interior da classe política. Não tem como manter a estabilidade em um contexto como esse”, avalia.

Os presidentes da Câmara e do Senado assumiram um papel de coordenação que, antes, era exclusivo dos líderes partidários. “E estamos falando do controle de um número expressivo de votos”, ressalta a professora da Unicamp, que nega que esse movimento esteja associado ao Centrão, o qual teria ganhado independência em relação aos líderes partidários e estaria agindo, eventualmente, até contra os partidos. “Não é isso que observamos quando olhamos para os dados. O que vemos é que os partidos continuam trabalhando de forma coordenada e atuando junto nas votações nominais. A taxa de disciplina hoje é tão alta quanto foi no auge do presidencialismo de coalizão, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso”, diz.

A principal razão que faz com que o Centrão não tenha o protagonismo que se apregoa, na opinião de Andréa, é que, diferentemente dos partidos políticos, o bloco parlamentar não tem recursos centralizados para manter um grupo interno coeso. “O Centrão pode estar junto em determinados momentos para ganhar capacidade de negociação, mas, quando faltam recursos, quem pode definir para onde vai o dinheiro são os partidos, o que permite manter os membros alinhados e afinados com as diretrizes.”

Controles do orçamento e da pauta do Legislativo

A coordenadora do Núcleo de Instituições Políticas e Eleições do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) avalia que as análises do cenário político deveriam ser menos concentradas na figura do Centrão como protagonista, uma vez que não representa um ator coeso, e mais na forma como os presidentes das Casas têm controlado a relação com os partidos e com os filiados — e, acima de tudo, nos comandos do orçamento e da pauta do Legislativo, o que torna a relação entre o Executivo e o Legislativo mais complexa e diferente do que era antes. “Não chegamos a um equilíbrio nessa nova forma de relação, na qual o Congresso passou por um processo de desorganização. É como se esses atores políticos tivessem desaprendido a negociar de forma pacífica. O País precisa retomar esse lugar, na qual o presidente da República e os dois presidentes das Casas Legislativas voltem a encontrar um ponto de equilíbrio, bem como os mecanismos de negociação voltem a funcionar como uma engrenagem”, adverte a autora do livro O presidencialismo da coalizão, publicado em 2016 pela Fundação Konrad Adenauer.

Os presidentes da Câmara e do Senado não têm trabalhado de forma alinhada com o governo federal, colocando-se em posição autônoma, observa a cientista política, dificultando o relacionamento entre as duas partes. Ao ganharem autonomia, atuam em prol de uma agenda política própria, não afinada com a do Executivo. “Então, temos visto um repasse de gastos e concessões de benefícios para alguns setores maior do que o Executivo gostaria, que é a manutenção da dívida pública em um determinado patamar. Aqui está a queda de braço: de um lado, o Executivo tentando manter o teto de gastos; do outro, o Legislativo querendo esticar a corda e gastar um pouco mais.” A votação dos projetos no Congresso está mais custosa, ao passo que, antes, caminhava “quase em estado de inércia”, puxada por uma coalizão estruturada em torno de partidos “mais claros” e pelo alinhamento das presidências das Casas e da República. Por causa das características do sistema eleitoral brasileiro, Andréa acredita que o presidencialismo de coalizão sempre vai existir, e o Brasil dificilmente terá um presidente com maioria no Legislativo. Isso implica que, necessariamente, todos os chefes do Executivo terão de continuar formando coalizões.

Assista à entrevista na íntegra.

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