Trump não pode ser uma desculpa

A escalada tarifária de Donald Trump certamente comprometerá investimentos, interromperá cadeias de valor, aumentará a inflação em alguns países (inclusive nos Estados Unidos) e intensificará tensões geopolíticas. Infelizmente, tudo isso é fato.
Contudo, ainda que sejam lamentáveis para o mundo, as medidas do presidente norte-americano podem abrir uma janela de oportunidades para o Brasil se inserir no jogo de trocas internacionais. O caminho? Fazer justamente o movimento oposto ao dos Estado Unidos: diminuir as tarifas e desatar os nós da burocracia. A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) defende, há décadas, uma ampla agenda de abertura comercial brasileira que, na conjuntura atual do mundo, é ainda mais fundamental para o crescimento do País.
O histórico do Brasil explica um pouco esse cenário. Há quase meio século, nossa participação no mercado internacional flutua em torno de modesto 1,5% de toda a corrente de Comércio global. Além disso, dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) de 2023 mostram que o País é apenas o 24º maior exportador do mundo e o 27º colocado no ranking de importações, mesmo com o nono maior Produto Interno Bruto (PIB) do planeta. Isso ocorre, em partes, porque o Brasil se manteve inerte frente às transformações ocorridas no Comércio internacional desde a década de 1990, sem políticas externa e comercial que contemplassem uma estratégia de expansão da economia.
Nesse período, grande parte das nações promoveu mudanças nas estruturas tarifárias, permitindo o surgimento das cadeias de valor e de produtos. O Brasil, ao contrário, apostou no modelo de escalada tarifária, sob uma visão mercantilista de que exportar é bom e importar é mau. Esse formato impediu a modernização do setor produtivo e resultou em um mercado fechado, com baixa produtividade e mais caro às empresas multinacionais. Além disso, sem a pressão da competição internacional, companhias nacionais permanecem menos eficientes e inovadoras do que poderiam ser, onerando os consumidores. Enquanto os países passaram a fabricar produtos “made in world”, o Brasil seguiu na lógica do “made in Brazil” — e, hoje, acumula prejuízos por essa decisão.
Essa realidade desafiadora nos leva a propor uma redução gradual, transversal e previsível das tarifas de importação de Bens de Capital (BK) e de Bens de Informática e Telecomunicações (BIT) brasileiras até que fiquem no mesmo patamar do resto do mundo, de cerca de 4%. A iniciativa se baseia em exemplos positivos de países como a Coreia do Sul e o México, que reduziram drasticamente essas tarifas, abrindo espaço para que integrassem às cadeias produtivas globais e aproveitassem as vantagens comparativas.
Também acreditamos na intensificação das negociações de acordos de livre-comércio, nas reformas estruturais do Mercosul — como a que impede os países-membros de alinhar acordos individualmente — e na retomada da oferta brasileira de adesão ao Acordo de Compras Governamentais (GPA, na sigla em inglês) da Organização Mundial do Comércio (OMC). A desburocratização dos processos de importação e a extinção do Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), tributo que não cumpre a função para a qual foi criado e encarece as importações, são outras alternativas.
Uma abertura comercial tem o efeito oposto ao que comumente se diz a respeito dessa iniciativa: em vez de destruir a Indústria nacional com a atração de mercadorias importadas, promove uma integração importante com os mercados e as cadeias internacionais. Isso resulta em mais competitividade para as nossas empresas, além de condições para a inovação e a geração de empregos com custos mais baixos.
Em resumo, as radicais mudanças anunciadas por Trump terão impactos profundos sobre a economia mundial, mas não podem servir de desculpa para o Brasil manter uma presença parca no mercado internacional, bem abaixo das próprias potencialidades. É hora de o País melhorar as suas credenciais.
Artigo publicado originalmente no portal Poder360, em 04 de maio de 2025
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