Sem vacina, covid-19 precisa ser entendida como problema de longo prazo
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Para conter um vírus cuja letalidade pode ser 20 vezes superior à da gripe, espera-se que a comunidade científica desenvolva, em tempo recorde, uma vacina eficiente contra a covid-19. Além da pesquisa e da testagem, a produção em larga escala e a distribuição para mais de 7 bilhões de pessoas impõem, contudo, que o enfrentamento do novo coronavírus precisa ser entendido como um problema de longo prazo.
Em debate promovido pelo UM BRASIL, uma realização da FecomercioSP, os divulgadores científicos Atila Iamarino e Natalia Pasternak destacam que, no melhor dos cenários, é possível ter uma vacina testada no fim de 2020, o que não significa, no entanto, que se trate de uma solução pronta para provimento mundial, tampouco 100% efetiva.
“Não é difícil chegar a uma vacina, fazer a parte técnica é o mais fácil. O que demora é a testagem”, explica Natalia, que é PhD em Genética de Microrganismo e presidente do Instituto Questão de Ciência. Segundo ela, a Sars-CoV-2, patógeno causador da covid-19, tem na Mers e na Sars-CoV-1, cujos estudos não foram extensivos em razão de a ciência funcionar aos “soluços”, seus parentes mais próximos. “Se essas pesquisas tivessem tido continuidade, talvez hoje tivéssemos uma vacina e medicamentos específicos [contra o novo coronavírus]”, ressalta.
Iamarino indica que é possível que a primeira vacina não seja eficiente para proteger todos, mas isso não deve impedir a sua disseminação, em função da emergência humanitária. “Normalmente, para outras doenças, essa vacina seria descartada se ela só despertasse imunidade em 40% das pessoas, porque não protege a humanidade, muito menos de um vírus respiratório. Mas, numa situação de emergência, é a vacina que vamos dar para os profissionais de saúde, por exemplo”, aponta o biólogo.
Embora o desenvolvimento da vacina esteja sendo feito “pulando etapas” para tornar o procedimento mais célere, Natalia ressalta o cuidado com o qual as preparações biológicas são feitas. “Lembrando que vamos vacinar 7 bilhões de pessoas; se houver 1% de algum efeito colateral grave, esse 1% se torna extremamente significativo. Então, por isso, as vacinas precisam ser testadas, e isso leva tempo”, frisa.
Diante da incerteza sobre quando a imunização estará disponível, Iamarino defende que é “mais seguro tratar a covid com um problema de longo prazo e se preparar para se adaptar ao redor dela”. Por ser um vírus que ataca o trato respiratório superior (em especial, nariz e garganta), a transmissão é muito facilitada em ambientes fechados, podendo uma pessoa infectada contaminar outras 15.
“As medidas para retardar o avanço dela são paliativas, mas fundamentais a essa altura, e os resultados são os que deviam orientar decisões políticas”, enfatiza o divulgador científico.
Soluções mágicas e teorias da conspiração
Enquanto não se tem uma resposta clara, circulam diversas teorias sobre o surgimento do novo coronavírus, entre as quais a de que o vírus teria sido produzido em laboratório.
Na avaliação de Iamarino, o fato de o patógeno se adaptar bem a seres humanos pode ocorrer por ter tido um hospedeiro com uma fisiologia parecida com a do homem, ou por estar circulando há mais tempo do que se conhece. “O que conseguimos ver olhando para o genoma do vírus é que ele não tem nenhum sinal de que foi conduzido numa direção. É muito compatível com vírus que tem na natureza e com vírus de morcego conhecidos”, explica.
Especuladas como potenciais medicamentos contra o vírus, a cloroquina e a hidroxicloroquina, recém-liberadas pelo governo federal para prescrição a pacientes com sintomas leves de covid-19, não funcionam e não são seguras, assevera Natalia. “Não funcionou em células-alvo, em animas e em humanos. A cloroquina era uma droga candidata que foi reprovada. Seria muito bom se funcionasse, mas não funcionou e não deve ser utilizada”, esclarece.
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