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REAL 30 ANOS: RICUPERO RELEMBRA BASTIDORES DO PLANO QUE DEU NOVOS RUMOS À ECONOMIA BRASILEIRA

DEBATEDORES | Rubens Ricupero

Prestes a completar 30 anos, o Plano Real deu novos rumos à economia brasileira ao colocar fim ao problema da hiperinflação e instituir uma conquista louvável: a estabilidade da moeda. 

Para relembrar o legado e os bastidores do Plano, o Canal UM BRASIL — uma iniciativa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) — conversou com .ex-embaixador, que foi Ministro da Fazenda e que comandou a implementação do Plano Real, Rubens Ricupero

Ricupero, que acaba de lançar o livro Memórias, publicação em que narra, em primeira pessoa, um verdadeiro testemunho do que se passou no Brasil e no mundo pelos últimos oitenta anos, também comenta, nesta entrevista, momentos que marcaram a história recente do país, como a Ditadura Militar, a redemocratização e o momento político atual. 

“O governo civil herdou a tarefa de reconstrução, de restabelecer toda a estrutura da democracia. Teve que resolver o problema da dívida externa e da inflação. Dois problemas que nós resolvemos com o Plano Real. E que a Argentina até agora não resolveu. A Argentina está onde nós estávamos há 30 anos”, comenta. 

“DITADURA RETARDOU DEMOCRACIA EM MAIS DE UM SÉCULO”

Os primeiros anos da trajetória de Rubens Ricupero no Itamaraty coincidiram com o início da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). 

Ricupero revela que procurou, ao máximo, ficar fora do Brasil nesse momento, servindo o órgão em postos no exterior. Mas, retornou ao Brasil no momento da assinatura do AI-5, em 1968, para exercer a chefia da Divisão Cultural do Itamaraty.

O ex-embaixador revela uma visão crítica sobre o legado deixado pela Ditadura Militar. “Não nego que a Ditadura Militar tenha feito coisas positivas. Mas ela deixou um legado de ruínas em três áreas: ela destruiu as instituições políticas e de direitos humanos no Brasil, retardou a evolução da democracia em mais de um século e fracassou na política econômica, deixando o legado da dívida externa, da hiperinflação”, afirma Ricupero. 

“No começo do regime militar, parecia que eles tinham acertado. Mas depois perderam a mão”, afirma, sobre a área econômica que, para Ricupero, foi uma das razões que fez com que os militares abandonassem o poder.  “Você não tenha dúvida: se eles tivessem tido muito êxito, eles iam ainda ficar muito tempo… Mas é que o navio estava afundando”, completa. 

Na avaliação de Ricupero, a herança dos militares criou problemas para os governos de José Sarney e Fernando Collor, que só foram resolvidos no governo de Itamar Franco. “O governo civil herdou a tarefa de restabelecer a democracia, e ainda teve que resolver o problema da dívida externa e o problema da inflação. Dois problemas que nós resolvemos com o Plano Real”, avalia. 

“FUI O ALGODÃO ENTRE CRISTAIS NO PLANO REAL”

Ricupero foi  um dos principais personagens da empreitada do Plano Real, um conjunto de reformas econômicas que deu novos rumos à economia brasileira a partir dos anos 1990 e que completa três décadas neste ano. 

Ricupero relembra momentos de dúvidas e incertezas que precederam o lançamento do Plano. “Havia mil coisas que me pressionavam. E eu era a pessoa que tinha que dizer não. Fui o algodão entre cristais. Aguentei as pressões com muito desgaste”, revela. 

O ex-ministro da Fazenda também comenta a inovação no diálogo com a opinião pública e com a população através da televisão naquele momento. Suas aparições em programas gravados e repercutidos para todo o país fizeram com que o então Ministro da Fazenda se tornasse o “rosto” do Plano Real. 

“Eu me dirigia à dona de casa, ao aposentado, à gente comum. Eu procurava fugir do “economês”. Um Ministro da Fazenda nunca fez isso. As pessoas se sentiam valorizadas. Uma das razões pro sucesso do Plano Real foi o apoio da população”, afirma. 

Em setembro de 1994, Ricupero foi envolvido em uma polêmica depois que comentários seus foram captados por um microfone durante uma entrevista para a Rede Globo, o que levou à sua renúncia do cargo de Ministro da Fazenda. “O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde”, disse, na ocasião. 

Ricupero conta que o contexto da frase era outro. Ele tinha novos dados positivos sobre o Plano Real, mas que não estavam prontos para divulgação. Mas, também se arrepende de outros comentários feitos na ocasião, que ele avalia como “vaidades”. 

“Disse muita bobagem. Foram 19 minutos infelizes de uma vida de 87 anos. Mas, felizmente, o principal estava feito, a moeda estava lançada”, afirma. 

“FRENTE AMPLA DEVERIA GOVERNAR”

Nesta entrevista, Ricupero reflete também sobre os últimos anos da vida política brasileira, tece fortes críticas ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e vê polarização política com preocupação. 

“Melhoramos em relação ao governo passado, quando se ignorou a ciência, quando houve atentado terríveis à Amazônia, aos povos originários. Foi um período terrível da nossa história”, afirma. “Vejo com preocupação essa polarização que nós herdamos, que é lamentável e que não promete nada de bom ao país”, completa. 

Ricupero, que se descreve como um “moderado com consciência social” que evita extremismos, acredita que o Brasil precisa criar as condições para o estabelecimento de uma frente ampla das forças democráticas. “É preciso um consenso. O atual governo, em parte está fazendo isso e em parte, não”, afirma. 

Para ele, sem o apoio de Geraldo Alckmin, Marina Silva e Simone Tebet dificilmente Lula teria sido eleito. “Essa frente ampla deveria governar. Lula criou um gabinete com Ministros de diversos partidos, mas não é uma frente ampla. Uma frente ampla precisaria antes definir uma agenda comum e escolher as pessoas em função da agenda”, comenta.

Ele afirma ver com bons olhos o trabalho dos Ministérios da Fazenda, Meio Ambiente e Direitos Humanos, mas tem criticado a política externa adotada pelo governo Lula, principalmente em relação à questões como a Guerra na Ucrânia e o conflito entre Israel e Palestina. “Tem muita visão ideológica do PT. Essa linha, ao invés de somar, subtrai”, afirma Ricupero. 

Ricupero finaliza afirmando que o Brasil tem um dever com seu próprio povo e deve buscar construir consensos para solucionar seus problemas.  “Tem muita gente dormindo na rua, muita gente com fome. Nossa prioridade tem que ser um desenvolvimento sensato, sem pôr em risco a moeda, sem a volta da inflação. Isso se faz com união nacional”, sintetiza. 

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