MPEs e Simples Nacional: os novos desafios da Reforma Tributária
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“Durante toda a Reforma Tributária, ouvimos o mantra de que o Simples Nacional está intocado. Isso não é verdade”, adverte o advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara.
Segundo ele, o projeto inclui mudanças que podem ter efeito negativo para as Micro e Pequenas Empresas (MPEs), em especial as optantes pelo regime de arrecadação Simples Nacional. Os desafios impostos podem, inclusive, empurrar essas empresas para a informalidade, explica o advogado.
Em entrevista ao Canal UM BRASIL — uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) — Bichara analisa as perspectivas e os impasses da reforma em discussão no Congresso.
Impactos sobre os microempreendedores
- O peso das MPEs. As micro e pequenas empresas (MPEs) do Brasil, que representam mais de 95% dos empreendimentos formais, foram responsáveis, em 2024, por 61% dos empregos criados e por 30% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados da FecomercioSP.
- Mudança no Simples Nacional. A Reforma Tributária pode provocar impactos e prejuízos a esse setor, reforça Bichara. Hoje, quando uma empresa submetida ao lucro real contrata outra do Simples Nacional, paga a fatura de quem está no Simples e toma crédito cheio de PIS e Cofins. “No futuro, pós-reforma, o crédito será correspondente apenas à parcela do tributo recolhido pela empresa do Simples — ou seja, mínimo”, conclui Bichara.
- Problemas e prejuízos. Dessa forma, essa empresa pode passar a optar por contratar um prestador de serviço que não esteja no Simples, prejudicando esses negócios, explica Bichara. Frente ao argumento de que essa mudança vai causar uma nivelação, ele argumenta: “A Constituição não manda nivelar, manda beneficiar as empresas do Simples”.
- Estímulo à informalidade. Bichara ressalta que “jogar esses milhões de contribuintes que estão no Simples para uma sistemática de lucro real e lucro presumido” levará uma boa parte desse grupo a uma situação de informalidade.
Mais complexidades à vista
- Obstáculos na contabilidade. A reforma ainda pode trazer complicações na compreensão das regras e etapas da apuração tributária às MPEs, defende o advogado. “Hoje, um comerciante médio paga PIS e Cofins calculados sobre o faturamento. Ele soma nota fiscal, calcula 3,65% e paga. Com a reforma, esse comerciante terá de administrar a contabilidade assim como fazem, hoje, empresas submetidas ao lucro real”, explica.
- Comércios e Serviços. Aumentos da tributação sobre consumo, impostos pela reforma, não serão desprezíveis, defende Bichara. “Um prestador de serviço médio paga, hoje, 8,65% de tributos sobre o consumo. [Esse porcentual] vai para 27%, 28%”, explica. O advogado acredita que parte dos empresários não terá capacidade de incluir esse aumento tributário no preço de seus serviços ou produtos — o que pode prejudicá-los. E, se o fizerem, o efeito será inflacionário.
Renda × Consumo
- Inversão de prioridades. Para Bichara, a reforma da renda deveria ter precedido a do consumo. “A Reforma Tributária não tem nada a ver com tributação de renda, patrimônio, folha. Só altera o modelo de tributação sobre o consumo. E acho que isso não é o ideal, porque os verdadeiros ‘gaps’ de tributação no Brasil estão no imposto de renda”, reflete o advogado.
- Correção de desigualdades. Ele ainda ressalta que o projeto atual de reforma não caminha para ajustar desníveis na distribuição de renda no País. A solução, defende, seria “atacar” o Imposto de Renda (IR), e não o imposto do consumo. “Mas essa não foi a decisão do governo. Então, cabe a nós analisar a realidade posta, e não a realidade desejada”, reflete.
- Discussão postergada. Em meio às polêmicas e discussões sobre o tema, o Ministério da Fazenda já informou que o projeto de tributação da renda não será enviado ao Congresso neste ano. A proposta pode contemplar o aumento da faixa de isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil mensais, mas esse cenário ainda não foi definido.
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