As saídas para a crise habitacional vão muito além da construção de casas, defende Anacláudia Rossbach, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat).
“Ainda estamos muito limitados à provisão de unidades habitacionais. Pensar na construção de casas, isoladamente, não é uma solução sustentável a longo prazo”, comenta. Segundo a especialista, é preciso investir em planejamento urbano.
Em entrevista promovida pela Revista Problemas Brasileiros e pelo Canal UM BRASIL — realizações da da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, Anacláudia analisa a crise de habitação no mundo e a expansão desenfreada das cidades, bem como defende a otimização da ocupação do espaço urbano.
Fenômeno mundial
- Crise globalizada. O déficit habitacional é um fenômeno de dimensões globais. O Banco Mundial estima que, até 2025, 1,6 bilhão de pessoas possam ser afetadas pela escassez de moradias. “Denominador comum hoje em dia, a crise da habitação afeta praticamente todos os países do planeta”, explica Anacláudia.
- Histórico. As raízes da crise habitacional passam por contextos regionais. “Nós temos o tema das reconstruções: pós-conflito, pós-guerra, pós-desastre. Nós temos moradores de rua em várias cidades da Europa, dos Estados Unidos e da América Latina”, elenca. A especialista ainda lembra das questões migratórias, como as crises de refugiados e os deslocamentos internos.
- Novos contextos. Temas atuais como as novas formas de moradia, o processo de envelhecimento da população e os novos hábitos da juventude, além de questões culturais e étnicas específicas, também afetam o cenário mundial do acesso à moradia digna. “É o caso das populações indígenas e quilombolas no Brasil”, explica Anacláudia.
- Renda. Segundo a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional do Brasil somava 6 milhões de domicílios em 2022, presente predominantemente entre famílias com até dois salários mínimos. O ônus excessivo com aluguel urbano é uma das suas principais razões, indica a pesquisa. Não à toa, Anacláudia cita como “grande brecha” habitacional a “crise de capacidade de pagamento” — fenômeno que já ocorria no Brasil e no Sul Global, mas que tem se tornado mais comum ao redor do mundo.
Visões limitadas
- Muito além da moradia. Por disponibilidade de recursos, capacidade técnica e questões políticas, o problema habitacional é resumido à construção de moradias. Para enfrentar essa crise, governos frequentemente tomam soluções imediatas e emergenciais — que são necessárias, mas pouco sustentáveis a longo prazo, avalia a especialista.
- Experiências internacionais. Países como México, Chile, Equador e Colômbia contam com programas de incentivo, mas as experiências em geral são limitadas, explica Anacláudia. “Não conseguimos chegar à escala necessária e continuamos lidando com crises habitacionais. Não somos capazes de trabalhar a localização desses empreendimentos e a inserção urbana nas cidades”, avalia.
Dinâmicas urbanas
- Expansão desorganizada. O crescimento dos centros urbanos na América Latina ainda se dá de maneira desenfreada, caótica e sem planejamento. A diretora-executiva da ONU-Habitat defende a moradia social em regiões mais centrais, a imposição de limites para a expansão das cidades e a adoção de estratégias de densificação em áreas estratégicas.
- Questão social. O acesso à moradia deve ser pensado para que as pessoas contempladas possam se desenvolver como seres humanos, ressalta Anacláudia. “É preciso associar esses programas com as possibilidades de desenvolvimento econômico, emprego e renda, além de oportunidades sociais, culturais e de lazer”, completa.
- Reurbanização. De acordo com o Censo de 2022, o Brasil tem mais de 10 mil favelas e comunidades urbanas, onde vivem 16,6 milhões de pessoas. Combater a crise habitacional passa por adotar estratégias de reurbanização e urbanização desses territórios.