Relações internacionais desafiam novo governo dos Estados Unidos
ENTREVISTADOS
EM POUCAS PALAVRAS...
A entrevista aborda tópicos importantes que passam por diversos momentos:
- Michael Shifter, pesquisador sênior no Inter-American Dialogue, lança luz sobre o novo ciclo político dos Estados Unidos sob o governo de Donald Trump.
- O pesquisador espera um governo menos engajado com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). O foco principal deve ser a pressão sobre o seu concorrente comercial, a China.
- A relação com o Brasil deve ser pautada pelo pragmatismo. A prioridade de Trump na América Latina, por questões migratórias, comerciais e de segurança, deve ser o México.
- Interesses econômicos, como o petróleo, podem influenciar nova postura em relação à Venezuela.
Quais são as expectativas para um novo ciclo político nos Estados Unidos? Partindo desse questionamento, Michael Shifter, pesquisador sênior no Inter-American Dialogue, faz uma análise sobre o que o futuro reserva para o país em 2025.
As pressões sobre a China devem ser o foco da potência norte-americana. Enquanto isso, o presidente Donald Trump vai lidar com dilemas como a relação com a Venezuela; o papel da nação norte-americana na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan); e as guerras na Europa e no Oriente Médio.
É o que analisa Shifter em entrevista ao Canal UM BRASIL — uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, com o apoio da Escola de Governo da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A conversa faz parte da série especial de debates promovida pelo Canal em Washington D.C.
A nova política externa
- Histórico. Em julho de 2024, o então presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que a Otan estava “mais forte do que nunca” e que o país defenderia “cada centímetro” da organização, durante reunião do conselho em Washington. Ali, ele mostrava uma das prioridades de seu governo e acenava para os aliados europeus.
- Mudanças à vista. Mas, com a eleição do republicano Donald Trump, o país parece “recalcular a rota” da política externa. “Não acredito que Trump vá sair da Otan. Mas, claramente, ele não estará tão engajado ou comprometido”, avalia Shifter. O pesquisador acredita que o novo governo deve deixar os acordos com a organização como estão, mas não estará tão próximo da Europa como o seu antecessor.
- Consenso nacional. “O seu foco maior deve ser a China. Esse é o único assunto sobre o qual existe consenso em Washington. O país asiático consegue unir os dois partidos, embora o Partido Republicano tenha uma maneira diferente de agir, com táticas mais duras”, analisa o pesquisador. Em 2025, a pressão estadunidense sobre a potência asiática deve se intensificar.
- Outras movimentações. Shifter ainda prevê o interesse de Trump na construção de outras alianças no eixo Ásia–Pacífico, deixando a relação com os países europeus em segundo plano. “A Europa vem se preparando para um segundo Governo Trump há um bom tempo. Ele vai tentar acabar com a Guerra da Ucrânia, e os europeus não ficarão muito felizes com isso”, conclui.
Conexão Brasil–Estados Unidos
- Sob nova direção. Em novembro de 2024, Trump nomeou o novo secretário de Estado, o então senador Marco Rubio, que se tornou a pessoa de origem latino-americana com o cargo mais importante da história no governo dos Estados Unidos. Em seu perfil na plataforma X, Rubio, que agora é o principal diplomata do país, anunciou: “Promoveremos a paz pela força”, uma clara sinalização sobre o futuro da política externa estadunidense.
- Pragmatismo. A nova função de Rubio pode impactar a relação entre Brasil e Estados Unidos. “Ele não pode lidar somente com aliados na América Latina — no caso, Javier Milei e Nayib Bukele. Obviamente, ele terá de lidar com Lula”, analisa. Contudo, para Shifter, o secretário de Estado deverá agir com pragmatismo em relação ao governo brasileiro. “Não creio que haverá grandes esforços para aprofundar uma parceria estratégica com o País. Mas haverá um esforço para manter as coisas nos trilhos, e um pouco mais calmas”, completa.
- Questão climática. Outro tema que deve afetar o Brasil é a forma como os Estados Unidos vão lidar com a questão ambiental. Em seu mandato anterior, por exemplo, Trump revogou mais de cem normas ambientais relacionadas à emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs) — e parte dessas revogações foi anulada pelo seu sucessor. “Mesmo comprometido com a agenda da mudança climática, os recursos destinados pelo governo Biden ao assunto foram decepcionantes. E será ainda pior com Trump”, ressalta.
América Latina é questão secundária
- Afastamento. Segundo o pesquisador, o século 21 marcou o início de um distanciamento entre os Estados Unidos e a América Latina. “Começando com George W. Bush e o 11 de setembro, e com a resposta que foi dada: as guerras — primeiro no Afeganistão, depois no Iraque —, para onde toda a atenção e todos os recursos foram direcionados”, analisa. Hoje, enquanto o país segue consumido pelos conflitos na Europa e no Oriente Médio, a América Latina se torna um assunto secundário. Shifter ainda lembra que, nesse contexto, a China aproveitou para se engajar mais na região. “Financeiramente, comercialmente e com mais investimentos”, completa.
- México. Entre os países latinos, a prioridade de Trump deve ser o México, avalia Shifter. “É onde temos a imigração e as questões comerciais, da segurança, das drogas e da China. E estes são os cinco principais tópicos para Trump”, explica o pesquisador.
- Venezuela. As sanções e o apoio ao opositor Juan Guaidó para derrubar o governo de Nicolás Maduro são marcas da relação entre Estados Unidos e o país sul-americano. No entanto, Shifter nos lembra que esse filme não teve um “final feliz”. “Afinal, Maduro continua lá. E muitos dizem que está mais poderoso do que nunca”, avalia. Como a estratégia anterior não deu certo, o pesquisador acredita que é possível que Trump busque fazer um acordo com Maduro.
- Nova postura. Na opinião do pesquisador, interesses econômicos, especialmente os da indústria petrolífera norte-americana, podem influenciar as ações de Trump quanto à Venezuela daqui para a frente. Ele ainda destaca que a estratégia anterior foi guiada por interesses eleitorais e nada tinha a ver com um compromisso com a democracia venezuelana. “A única razão pela qual Trump adotou políticas mais duras com Maduro, em seu primeiro mandato, foi a Flórida. Ele tinha de vencer a eleição no Estado em 2020 — e acabou não sendo eleito presidente, mas venceu na Flórida”, relembra.
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