REPRISE | ENTREVISTA PUBLICADA ORIGINALMENTE EM 24\11\2017
“Teria de haver uma revolução social, no sentido de infundir ânimo por conhecimento nas pessoas – saber torna uma pessoa fascinante”, analisa a escritora, imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) e primeira mulher a ter presidido a instituição, Nélida Piñon.
Em entrevista ao UM BRASIL, ela comenta os desafios de criar um país com mais leitores, as dificuldades de acesso aos livros e a presença das mulheres na literatura nacional. “Os pais deveriam ter a literatura como um bem almejado para os filhos”, defende. Ainda falta nos brasileiros uma busca pela ascensão social por meio do saber e dos livros, segundo ela.
“Temos de provar aos jovens brasileiros que quando você sabe, você é até eroticamente mais interessante”, explica Nélida. “Você quer ao seu lado pessoas que te estimulem a ver o mundo de uma maneira dilatada através do viés da imaginação.” Sobre as escolas brasileiras, ela diz que é necessária uma mudança estrutural. “Aqui você não aprende o que é essencial sobre o trabalho educacional: ouvir, pensar, responder, contestar, buscar uma mínima soberania das ideias”, observa.
Na visão da escritora, nossa sociedade não tem apreço pela cultura em sua forma oficial (como os livros), além de não termos formação educacional para entendermos o que lemos. “Deve-se entender as nuances contidas num livro”, explica. O sistema terá de ser revigorado e refeito, no entendimento da entrevistada.
“Como você pode fortalecer o sistema educacional para uma criança que não tem casa? Uma criança brasileira não tem lugar onde ler, só isso já é um drama”, justifica. Para Nélida, somos uma sociedade que, de algum modo, disfarçou suas precariedades por meio da imitação. “Imitamos os modismos que vinham do exterior e somos muito vulneráveis ao que vem de fora, que automaticamente desvaloriza o que é produzido aqui dentro”.
Para a imortal da ABL, não nos damos conta de que, ao abraçar o que vem de fora, não conseguimos criar contraste entre o estrangeiro e o que temos. “Diria que somos excessivamente colonizados”, conclui. Nélida explica ainda que tem um posicionamento muito claro sobre a participação das mulheres na literatura.
“A nossa sociedade é indulgente com o homem: ele pode ter uma obra não tão significativa e é quase imediatamente aplaudido. É oficialmente lido pelas classes determinantes do poder literário. Quando a mulher é lida, as mesmas pessoas simulam que não leram, para não ter de dizer uma palavra favorável a respeito dela”, enfatiza.
Apesar de reconhecer que a mulher chegou tardiamente ao mundo clássico da cultura, pois não podia ler ou escrever, ela diz que temos mais mulheres escritoras importantes que as estatísticas indicam. “Muitas mulheres que são importantes escritoras não são alçadas à categoria da plenitude e do conhecimento, pois são postas à margem.”
Entre os 40 membros efetivos da ABL, apenas cinco são mulheres. Nélida foi a primeira mulher a presidir a instituição e exerceu seu mandato no ano do centenário da ABL. “Exerci uma presidência com soberania e plenitude, porque ninguém me controlou. A comunidade masculina não se dá conta que está faltando uma figura invisível, que é a mulher, mas é um fato que as pessoas cada vez mais estão se dando conta.”
Ainda sobre esse tema, ela entende que a língua portuguesa tem características machistas (como os plurais que são, em sua maioria, no masculino, por exemplo). “A língua tem decisões machistas, mas é machista sobretudo porque o homem fala o tempo todo e não deixa a mulher falar”, afirma Nélida. “Sou uma feminista histórica, muito consciente e atenta. Busco a beleza no texto e tenho empenho de reverenciar a língua portuguesa.”
Segundo ela, a sociedade vai ter de ser trabalhada e vai buscar soluções para essa questão. Já sobre o fato de escritores brasileiros serem pouco conhecidos no exterior, ela afirma que isso deriva de várias razões, entre elas, o fato de poucos brasileiros escritores terem ido viver longas temporadas na Europa. “Houve uma vacância nossa nos grandes centros decisórios. Não há uma política de expansão cultural nossa e a diplomacia brasileira nunca se empenhou nisso”, diz.
Acerca da política nacional, ela se afirma tão perplexa quanto qualquer outra pessoa. “Parece-me que é um dano que não tem reparação. Como vamos voltar a acreditar que nossas utopias do passado eram possíveis?”, questiona. Segundo ela, a criação de Brasília quebrou a coluna vertebral no Brasil e deixou vácuos no poder. “Criou-se um império do qual o brasileiro foi expulso.”