Financiamento escasso e negacionismo fragilizam trabalho científico
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Entre todos os desafios atuais que a ciência enfrenta, dois a colocam em uma posição frágil: a certeza das respostas prontas ou disseminadas pelas redes, e também a morosa busca por financiamento. Essas ponderações são do físico e deputado português Alexandre Quintanilha. Atualmente, ele preside a Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, e também a Comissão de Ética para a Investigação Clínica, ambas no Parlamento de Portugal.
Em relação à fragilidade, Quintanilha exemplifica com a seguinte hipótese: se uma pessoa pergunta a um cientista o porquê de haver uma pandemia, provavelmente ouvirá que ainda não há certeza, e que se levará tempo para a ciência responder. Por outro lado, a explicação mais fácil que obterá pela certeza da especulação é de que o vírus foi criado pelos chineses de propósito. “[Essa conclusão] leva três segundos para ser elaborada e provavelmente é muito mais assertiva [para essa pessoa]”.
Quanto ao financiamento, ele chama a atenção para o fato de que o trabalho desenvolvido pela ciência, que envolvam muita gente, é caro, e que a busca por recursos põe os cientistas em uma situação difícil de ter que garantir que haverá retorno. “Os próprios trabalhadores do conhecimento são forçados a exagerar [diante das fontes de recursos] a importância do trabalho que estão fazendo, caso contrário, não há financiamento. Novamente, isso coloca o conhecimento em uma posição frágil”, destaca. “Isto é perigoso, pois o conhecimento leva muito tempo. Às vezes, é preciso voltar atrás e seguir o caminho ao lado.”
Na entrevista, ele também comemora o avanço que as vacinas para covid-19 representam. “Nós temos um vírus há mais de 40 anos, o do HIV, que já matou dezenas de milhares de pessoas e que ainda não tem vacina. Também não há vacina para a malária. Portanto, o fato de termos conseguido várias vacinas para covid-19 em menos de um ano é extraordinário, pois não é o normal.”
Outro aspecto da relação entre ciência e sociedade que Quintanilha aborda são as fake news. Ele explica que a mentira retira das pessoas a capacidade de construir uma vida sólida e responsável, e isso é danoso para a democracia. “A mentira tem efeitos perversos, porque a maior parte das pessoas não desenvolveu a capacidade de questionar aquilo que ouvem, de ter formas de verificar o que está sendo feito [na nação] e até mesmo a capacidade de confiar em certas instituições”, pondera. “A confiança leva décadas para ser construída, mas pode ser destruída em dois segundos.”
Já em relação ao ensino nas escolas, o deputado reforça que a curiosidade – a importante capacidade de sermos atraídos pelo que é desconhecido – é uma das coisas mais difíceis de ensinar. “Eu acredito que o sistema educativo até chega a destruir a curiosidade, não estimulam a imaginação e a capacidade de explorar o desconhecido com alguma emoção. Há uma frase muito bonita de um jornalista inglês: ‘A função principal da educação é transformar espelhos em janelas’, ou seja, transformar algo que nos reflete em algo que nos permite enxergar muito mais longe”, conclui.
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