Conivência com a violência ficará marcada na biografia dos tempos atuais
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Enquanto produzia o seu mais recente livro, Arrancados da terra, uma obra sobre judeus refugiados no Brasil e nos Estados Unidos no século 17, o biógrafo Lira Neto se deparou com temas como demonização étnica e propagação de discursos de ódio. Não obstante, em determinados momentos, o escritor já não sabia mais se estava trabalhando com o passado ou o presente, dadas as similaridades observadas nos dois períodos.
Em entrevista ao UM BRASIL, uma realização da FecomercioSP, Neto, jornalista com projeção na literatura biográfica, destaca que “o futuro vai nos cobrar pelos atos e pelas omissões” vistos no Brasil contemporâneo, o qual ele classifica como tempos “de retrocesso de décadas de conquistas civilizacionais”.
“Começamos a naturalizar o discurso violento e preconceituoso, inclusive quando era enunciado em defesa da liberdade de expressão. Ou seja, da forma mais cretina, tentamos estabelecer um contraponto ao politicamente correto numa adesão total ao politicamente incorreto, sem limites”, observa o escritor.
Morando em Portugal, por não conseguir “respirar o ar tão tóxico” da terra natal na atualidade, Neto afirma que, no Brasil, “a ignorância se tornou vaidosa de si mesma”.
“O fato de ser pouco ilustrado ou polido virou um valor, um ativo valorizado, inclusive como modo espontâneo de ser. Então, a deseducação virou novamente uma coisa mais do que aceitável, perseguida”, frisa o jornalista.
Biógrafo de nomes como os ex-presidentes Getúlio Vargas e Castello Branco, a cantora Maysa, o escritor José de Alencar e o sacerdote católico Padre Cícero, Neto pontua que o gênero no qual se especializou não se limita a contar a trajetória de personalidades históricas.
“Sempre digo que quando você biografa uma pessoa, não está biografando um homem ou uma mulher, mas toda uma época, todo um contexto, porque esta existência dialoga todo o momento com o mundo em que está inserida. Nenhum homem é uma ilha, como dizia o poeta. Então, toda a ideia, quando biografo alguém, é fazer um retrato de uma época”, explica.
Neste sentido, ele ressalta o desafio de, no futuro, relatar a conivência com o fato de a sociedade ter deixado “o que de mais perverso e de pior tínhamos” ser alçado ao poder.
“Quem fizer a biografia deste tempo e quem estiver fazendo a história do presente não podem deixar de levar em consideração o momento em que isso iniciou. (…) Assim como podemos perguntar a um alemão por que ele deixou que acontecesse o nazismo, nossos netos vão nos perguntar como é que deixamos acontecer o que está acontecendo na atualidade. O que os livros de história vão dizer sobre a nossa omissão?”, indaga o escritor.
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