Ainda a ser implementada, Constituição não regula Amazônia, periferias e favelas
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Questionada por alguns grupos se ainda é coerente com os tempos atuais ou se já não estaria ultrapassada, a Constituição brasileira de 1988 não é, de fato, uma realidade, mas uma probabilidade. Isto é, pode ou não ser aplicada. Inclusive, de acordo com Joaquim Falcão, jurista, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), a maior parte do território nacional, desde sempre, convive apenas com uma implementação parcial da Lei Maior do País.
Em entrevista ao UM BRASIL, Falcão afirma que o “sonho da Constituição não é uma realidade”. Na verdade, segundo ele, a Carta Magna é um ideal que não deve ser confundido com o Brasil real.
“Você tem direito ao serviço público, mas quem controla o acesso ao serviço público na Rocinha, na Maré, nas diversas favelas? Não é a Constituição. Deveria ser, mas não é. A Constituição é uma probabilidade, que pode se realizar ou não”, explica o jurista. “Quem decide os conflitos de terra, as grilagens, a destruição amazônica? Não é o Judiciário, é um poder local de aliança de interesses predatórios. Então, se você for ver o Brasil, hoje, é capaz de a maior parte do território brasileiro ter uma implementação seletiva da Constituição”, complementa.
Diante disso, Falcão argumenta que se deveria discutir a concreta aplicação da Lei Maior no País, em vez de uma eventual substituição sob o argumento de que estaria obsoleta.
“A Constituição não regula a Amazônia, a periferia, as comunidades – são outras leis. Então, se você somar estas e várias outras áreas, você vai ver que a Constituição é apenas uma probabilidade. Então, uma das dificuldades e um dos desafios é ver a realidade constitucional – e ela não está madura nem velhinha, está para ser implementada ainda”, frisa.
Crise social e tensão entre poderes
Observando a conjuntura atual, o jurista diz que as dificuldades prementes do País se originaram ainda antes da promulgação da Magna Carta em vigência. De acordo com ele, quando foi concedido o direito de voto aos analfabetos, em 1985, o Brasil foi substancialmente alargado.
“O voto ao analfabeto é o responsável pela maior ampliação do Brasil, que começa a interferir nas políticas públicas, na jurisprudência, na distribuição de recursos públicos. Então, você tem, na parte política, uma ampliação democrática do País, mas, na parte econômica, uma crescente concentração de recursos. Uma democratização político-jurídica através da alfabetização e da participação popular nas decisões da República se choca com a concentração cada vez maior de renda – e este é o problema que estamos vivendo”, avalia.
Além disso, Falcão diz que a ideia de que os três poderes sejam harmônicos e independentes entre si está errada. Na verdade, a tensão entre eles é bem-vinda.
“O que é importante para a democracia? Não é que um poder mande ou interfira no outro. É que nenhum poder permanentemente tenha poder sobre os outros. Então, o importante é manter uma certa tensão, ou seja, eu controlo você e você me controla. E isso não para, porque a democracia não para. Se parar em um poder, então, sairemos da democracia. Se parar no Executivo, você entra no autoritarismo ou na ditadura. Então, para mim, o importante não é quem fala por último, todos podem falar por último”, pontua.
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