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Economia e Negócios

O equívoco da soberania e o espelho para o Brasil

Vladimir Fernandes Maciel
Vladimir Fernandes MacielCoordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (Mackliber) e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie
Publicado em: 21 de julho de 2025

A recente imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros pelos Estados Unidos reacendeu debates sobre dependência, soberania econômica e o papel do comércio internacional no desenvolvimento de um país. A retórica política, no entanto, muitas vezes obscurece as nuances econômicas. Por trás da aparente defesa de interesses nacionais, tanto os Estados Unidos quanto o Brasil revelam posturas que contrariam os princípios da liberdade econômica e comprometem o bem-estar das próprias populações.

Em primeiro lugar, é importante desfazer o mito de que o Brasil seria dependente do país norte-americano. Nossa pauta de comércio exterior é relativamente diversificada e, em termos objetivos, temos, hoje, uma relação comercial mais profunda com a China do que com os estadunidenses. Mais relevante ainda: o comércio exterior representa uma fatia menor do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, dada a escala do mercado interno. Isso não significa que medidas protecionistas de grandes economias não nos afetem — afetam, mas talvez menos do que se alardeia.

Além disso, a ideia de soberania econômica, frequentemente evocada em discursos oficiais, precisa ser revista com urgência. Em seu uso corrente, o termo carrega uma conotação autárquica, como se fechar-se ao comércio fosse uma virtude. Esse conceito tem raízes nos anos 1930, quando a industrialização em substituição de importações parecia uma resposta lógica ao colapso do comércio global. Foi nesse cenário que floresceu a teoria da dependência e o ideário desenvolvimentista, que marcaram profundamente a trajetória econômica brasileira ao longo do século 20.

Entretanto, os resultados dessa estratégia são conhecidos — uma industrialização que se exauriu nos anos 1980, sem completar a transição para uma economia competitiva e produtiva, e uma estrutura marcada por distorções, crises cambiais recorrentes, hiperinflação e uma crise fiscal crônica (que ainda nos persegue). O protecionismo, longe de nos proteger, ajudou a nos isolar e a comprometer a nossa inserção nas cadeias globais de valor.

Ao imporem tarifas de importação tão elevadas, os Estados Unidos violam, antes de tudo, a própria liberdade econômica. Medidas do tipo encarecem produtos, reduzem a diversidade de consumo, afetam negativamente a produtividade e, ironicamente, comprometem o bem-estar dos próprios cidadãos. Se vistas como estratégia de negociação para forçar uma abertura mútua no médio prazo, ainda nos permitem discutir seus méritos táticos. No entanto, enquanto política permanente, são economicamente contraproducentes e moralmente indefensáveis.

Do lado brasileiro, a resposta não deveria ser uma retaliação imediata — o famoso olho por olho comercial. Deveria, sim, ser uma oportunidade para olharmos no espelho. O Brasil é, atualmente, um dos países mais fechados ao comércio internacional. Nossa economia segue pouco integrada, com baixa produtividade média e renda per capita estagnada há mais de quatro décadas — com exceção de algumas ilhas de produtividade industrial e do Agronegócio, nosso único setor com real competitividade internacional.

A abertura comercial é uma das reformas econômicas ainda pendentes. E, mais do que isso, mostra-se um imperativo para romper o círculo vicioso do protecionismo que alimenta ineficiências, distorções e desigualdades. Precisamos abandonar a ideia de que se proteger da concorrência global é uma forma de progresso. Soberania econômica real não se mede por autossuficiência, mas por uma população educada, empregada, empreendedora e com oportunidades reais de mobilidade social.

Em resumo, a tarifa de 50% dos Estados Unidos deveria ser vista menos como uma afronta e mais como um sintoma de um mundo que flerta novamente com o isolacionismo e a miopia econômica. A melhor resposta brasileira não está na retaliação com as mesmas armas, mas em corrigir as próprias: abrir a economia, aumentar a concorrência e, enfim, completar a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável, integrado e moderno.

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