Em 1997, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) conseguiu aprovar a reeleição. No ano seguinte, recebeu votos suficientes da população brasileira para permanecer no cargo, que ocupou por oito anos, até 2002. Desde a Proclamação da República, em 1889, apenas Getúlio Vargas havia permanecido mais tempo na chefia do executivo – 15 anos como ditador, entre 1930 e 1945, e mais três anos e 205 dias como presidente democraticamente eleito, entre 1951 e 1954.
Após FHC, a reeleição virou regra. Luís Inácio Lula da Silva (PT) também se sentou por oito anos na cadeira presidencial, de 2002 a 2010. Dilma Rousseff (PT), sua sucessora, reelegeu-se em 2015, mas não completou o mandato, após sofrer um impeachment, em 2016, e ser substituída por Michel Temer (MDB). Em 2018, porém, o ciclo foi quebrado antes mesmo de o pleito eleitoral acontecer: com uma alta taxa de desaprovação, Temer desistiu de se candidatar em prol do seu ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (MDB).
Se a reeleição à Presidência não acontecerá nas eleições de 2018, vale lembrar que, neste ano, ela ainda segue viva nas disputas para governador. Embora nas últimas duas décadas os brasileiros tenham, repetidamente, concedido segundos mandatos nas urnas, no campo intelectual o assunto não é consenso. Alguns defendem que mais quatro anos pode ser necessário para a concretização de um plano de governo, enquanto outros dizem que a reeleição desequilibra a corrida eleitoral para os cargos executivos e perpetua o que há de pior na política.
“Um presidente, no Brasil, sem a possibilidade de reeleição, tem o seu poder se esvaindo muito rapidamente, porque quatro anos passam muito depressa. No primeiro ano, ele vai dar conta de aprender [sobre a] máquina [pública]; no segundo, de fazer alguma coisa; no terceiro, está indo [bem] e no quarto já ‘esfria o café’, porque ele vai ter que lançar alguém para a sua sucessão, porque não é a própria pessoa [que continuará no cargo]. Também há a oposição reivindicando o lugar, o que é natural e tem que acontecer em uma democracia”, argumenta o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro José Antonio Dias Toffoli. “Então, para um projeto político de nação, quatro anos é pouco.”
Para o coordenador do Laboratório de Política e Governo da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), a lógica da reeleição é justamente a inversa: o novo mandato é pensado apenas como um meio de se perpetuar no poder, não de dar continuidade a um plano de governo.
“O que busca um político? Acima de tudo, a reeleição. Nesse caso, quando estabelecemos a reeleição para cargos do Poder Executivo, o indivíduo não está pensando tanto em um bom governo, mas em se reeleger, o que cria uma lógica problemática, porque a política fica extremamente permeada pela barganha – não que a barganha em si seja equivocada, mas [é] uma barganha destituída de qualquer projeto programático”, afirma Lahuerta.
Desequilíbrio
Um dos principais problemas apontados por quem critica a reeleição é uma disputa eleitoral desbalanceada, uma vez que o candidato à reeleição pode usar a máquina pública em benefício próprio durante a campanha.
“Devemos ter na vida política essa regra de ouro, da igualdade de oportunidades entre os candidatos, e a reeleição, sem dúvida alguma, vem contrariar esse princípio”, afirma o advogado constitucionalista Marcos Vinícius Furtado, presidente do Conselho Federal da OAB. Ele admite, porém, que o prazo de permanência em cargos executivos poderia ser estendido. “Deveríamos ter um só mandato, de cinco anos.”
O presidente da Academia Internacional de Direito e Economia (Aide), Ney Prado, também acredita que um mandato mais longo seria uma boa alternativa. “Ao sermos contrários à reeleição, podemos punir um bom governante”, pontua. “Então, [na tentativa de encontrar uma] a solução para evitar que um indivíduo no exercício do poder lance mal de todo o instrumental do Estado para reforçar a sua candidatura, é melhor não permitir a reeleição e aumentar o mandato presidencial.”
A historiadora Maria Aparecida de Aquino vê problemas no alongamento do mandato, porque a população ficaria impedida de mostrar o que pensa sobre a administração governamental por mais tempo.
“As pessoas estão satisfeitas com esse projeto? É o momento de elas opinarem novamente, dizer [o que querem], ao passo que, se houver um mandato único estendido, seria um mandato bastante largo para uma pessoa sem que ela seja avaliada na urna”, explica.
Mais do que a reeleição em si, o filósofo Luiz Felipe Pondé condena a possibilidade de um ex-presidente que já teve dois mandatos poder se candidatar novamente, após ficar no mínimo quatro anos longe do cargo.
“Essa ideia de que o cara pode ser duas vezes presidente, parar e voltar depois é uma palhaçada. Isso é uma tentativa de instaurar uma espécie de monarquia [em] que [o povo] continua votando, votando, votando, mas aquela tradição não sai do poder nunca”, critica. Acho a reeleição um drama no sistema – até pode haver para dois mandatos, depois, acabou, nunca mais, [o político] não pode ocupar cargo nenhum. Se se diminuísse a reeleição no Brasil, haveria um corte mortal no sistema fisiológico dela”, acredita o filósofo.