Por Humberto Dantas
Tais condições combinam dois pontos corrosivos: poder e sobrevivência. O poder inebria, a busca pela sobrevivência gera desespero. Quem arrefece essa combinação? Em tese, a justiça, a ética e a capacidade de os cidadãos, no universo público, construírem um mundo mais democrático. Definitivamente, não é isso que temos em nossa realidade: falta-nos ética republicana, justiça eficiente e proba e valores democráticos. E agora?
A sociedade se distanciou de forma expressiva da política, dos políticos e dos partidos. Em 2016, algumas cidades bateram recordes de abstenção e votos inválidos, e candidatos vencedores afirmaram distância absoluta da política. Tais comportamentos foram compreendidos por parcelas da sociedade como algo danoso. A partir disso, começamos a experimentar discursos ao estilo “só sairemos da crise política com mais política”. Perfeito: a saída para o problema é um mergulho no próprio problema, transformando‑o por dentro. Concordo com isso, mas, numa democracia, esse acordo precisa ser percebido por grandes contingentes.
E para que tais conjuntos da sociedade sejam impactados, movimentos e projetos nasceram pregando renovação. O primeiro problema é: quem está se apresentando como novidade nem sempre a representa. O segundo ponto está associado ao fato de que muitos daqueles que “entram na política” entendem pouco dela e, com posturas viciadas e arrogantes de “salvadores da pátria”, tendem a contribuir para o aprofundamento do problema. Não devemos tratar tais pontos como regras, e tampouco como uma versão única de muitas das novidades que estão por aí, pelo contrário – é possível encontrar muita atitude boa nessa onda de experimentações e novas leituras da política.
O problema maior, no entanto, está aqui: se por um lado existe quem queira renovar, inovar, aprimorar e aperfeiçoar, por outro, temos de retomar a inexistência de espaço vazio na política. Para toda ação de renovação haverá uma reação de conservação. Quando as reformas políticas mais recentes pregam recursos escassos, centralização das verbas nos partidos e redução aguda dos tempos de campanha, o que estão a dizer? Que os eternos políticos querem se proteger, elevando suas chances de domínio e evitando a renovação. Esse choque tende a ser desigual, quase uma luta entre o gigante Golias e o pequenino Davi. Quem era o favorito? Davi venceu, mas o raio não cai duas vezes no mesmo lugar, e na política, o conflito pode ser ainda mais desequilibrado. Sinceramente, não acredito que teremos uma renovação imensa no ambiente onde a questionável e desgastada política mais se manifesta – o Poder Legislativo. No entanto, não tenho dúvida alguma de que o desejo por mudança é menos um conflito físico direto e mais uma tendência com grande potencial de contaminação no médio e longo prazos. Assim, a sociedade vai se renovar, mas isso pode levar tempo.
*Humberto Dantas é cientista político e conselheiro da FecomercioSP
Artigo publicado na revista Problemas Brasileiros, edição especial de setembro de 2018