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Estar sempre conectado pode se tornar problema de saúde pública

DEBATEDORES | Cristiano Nabuco Cirilo Liberatori Tissot

O olhar sobre o uso abusivo das tecnologias como smartphones, games e internet ganha novos contornos à medida em que a sociedade se percebe incapaz de se “desconectar”. No debate “O preço da conectividade | Estamos viciados?”, organizado pelo UM BRASIL em parceria com a revista Problemas Brasileiros (PB) e o Centro Ruth Cardoso (CRC), o psiquiatra e diretor técnico da Clínica Greenwood, Cirilo Liberatori Tissot, e o psicólogo com mais de 30 anos de experiência Cristiano Nabuco traçam um paralelo do contato indiscriminado com a tecnologia e outras dependências, como o alcoolismo.

“A grande preocupação é que estamos praticamente vivendo um problema de saúde pública, mas ela entrou pela porta dos fundos, mascarada dentro de uma perspectiva de entretenimento, as pessoas ainda não se deram conta da gravidade. É um processo que ativa os circuitos dopaminérgicos, é um vício, uma dependência como outra qualquer”, observa Nabuco, na conversa mediada por Thais Herédia.

Na análise de Tissot, a nossa relação com o entretenimento é baseada na busca insaciável pelo prazer, e temos dificuldade em “frear” essa satisfação. “O prazer é egoísta, e quanto mais temos, mais queremos. No ambiente virtual existe um paradoxo, porque, ao mesmo tempo que vou ao encontro de pessoas, não tenho a reciprocidade do outro lado. Isso dá um extremo prazer, como se em nenhum momento houvesse frustração. A inteligência artificial não briga comigo”, diz.

Para Nabuco, essa dinâmica – na qual é preciso ter sempre acesso a mais informação e por mais tempo – compromete o funcionamento do nosso cérebro e incapacita o indivíduo de fazer associações mais profundas. O psicólogo destaca ainda que o imaginário comum de que o uso constante da internet poderia tornar a humanidade mais inteligente não se sustenta em razão do resultado de recentes pesquisas.

“Embora tenhamos nos telefones celulares mais informação do que Bill Clinton tinha há algum tempo, as medidas mundiais de quociente de inteligência (QI) [testes desenvolvidos para avaliar as capacidades cognitivas de um sujeito] estão declinando. Então, mais informação não significa necessariamente maiores habilidades”, enfatiza.

“Tínhamos ao longo da Idade Média uma noção de que quanto mais conhecimento eu tivesse melhor eu me tornaria, mais destaque social eu receberia. Hoje é exatamente o contrário. O indivíduo que consegue manter o mínimo de saúde mental não é aquele que tem o contato contínuo com a informação, mas o que se protege para que ela não crie padrões de estresse”, complementa Nabuco.

Crianças e jovens

O estímulo das redes sociais, por exemplo, mantém o usuário conectado o máximo de tempo possível na espera por likes, espécie de bônus que a pessoa adquire na internet. Esse método de reforço intermitente é igual ao encontrado na base das dependências do jogo patológico e atrai de forma fácil crianças e adolescentes, que ainda não têm condições biológicas de lidar com esse mundo virtual de forma saudável. “O processo de maturação cerebral só vai ser finalizado após os 21 anos. Então, o jovem não tem a estrutura totalmente finalizada para poder exercer esse controle”, esclarece Nabuco.

Essa necessidade de ficar constantemente conectado também reflete uma mudança da sociedade, que usa o computador e o smartphone para trabalhar e se divertir. “Perguntei para um jovem se ele não poderia fazer outra coisa e ele me respondeu que as pessoas não estão mais na rua, mas no computador. Como eu falo para um jovem que tem problema de obesidade, de baixa autoestima, não navegar na internet se todos os amigos dele fazem isso? Esse jovem entende que essa plataforma digital é uma grande perspectiva de realização que, muitas vezes, ele não consegue ter na vida real. Além disso, o mundo também está mudando de forma expressiva, fazendo esses espaços de encontros serem transferidos para outro lugar”, relembra o psicólogo.

Cirilo analisa que ao mesmo tempo que o usuário quer se diferenciar nas redes, ele tem a necessidade de ver outras pessoas reafirmando isso por meio dos likes. “Estamos sendo superestimulados a viver uma situação valorativa em que todos nós temos que ser indivíduos totalmente especiais e próximos dos nossos recursos. Você tem de se diferenciar, mas, nesse processo, fica cada vez mais egoísta. Essa é uma situação de emburrecimento. Cada vez mais estamos perdendo a identidade, ficando mais iguais, dependendo mais da aprovação dos outros. Emocionalmente estamos adoecendo e, em termos intelectuais, estamos emburrecendo”, critica Cirilo.

O controle do tempo gasto com as tecnologias é apontado pelos especialistas como a melhor maneira de calibrar a situação. “Tudo gira em torno se temos controle ou não sobre nós mesmo e qual a nossa capacidade de se satisfazer com a vida. Até os 12 anos de idade, penso que a responsabilidade é totalmente dos pais. Os pais precisam dizer quanto tempo a pessoa ficará exposta ao celular, aos joguinhos ou à internet. A partir da adolescência, começa a existir um certo grau de autonomia, e é preciso observar se há abuso – e quem define isso, novamente, são os pais”, ressalta Cirilo.

“A partir do momento que se cria a consciência, autorregula-se no caso dos adultos, ensina as crianças como agir, obviamente que se está criando novas regras nas quais a tecnologia entra sem fazer mal, ou seja, ela presta um favor e não sequestra”, finaliza Nabuco.

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