Por Antonio José Pereira
Maio de 2018 ficará lembrado como o mês da paralisação dos caminhoneiros que provocou um efeito cascata sobre todos os setores. Vimos supermercados com gôndolas vazias, ruas das nossas principais capitais desertas em pleno horário de pico e a impossibilidade de realizar tarefas simples do cotidiano: escolas suspenderam aulas, fábricas fecharam portas. E a área da saúde? Essa não podia parar. Ainda que possamos ver essa crise como um momento crítico e, talvez, isolado, as lições que ela ofereceu são permanentes.
A falta de insumos hospitalares, como materiais cirúrgicos e medicamentos, podem significar danos graves para a saúde dos pacientes e, em casos mais agudos, levar à morte. No cenário de paralisia e desabastecimento que asfixiou o País naqueles dias, vimos algumas importantes unidades de saúde suspenderem seus serviços. Mas há caminhos para evitar que isso se repita em crises futuras similares.
Exemplo disso, e que poderia ser replicado em outras instituições do Sistema Único de Saúde (SUS) e mesmo privadas, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) lançou mão de recursos de gestão de crise e de uma infraestrutura apropriada para enfrentar a paralisação sem que seus pacientes fossem prejudicados.
Como pontos que poderiam ser replicados em outras unidades, vale destacar o comitê de crise instaurado durante a greve para reduzir seus efeitos sobre o hospital. Ele se reuniu diariamente durante a paralisação para avaliar o estoque de suprimentos, incluindo medicamentos e alimentação, e tomar todas as medidas possíveis para atenuar os efeitos da paralisação. Softwares de gerenciamento de crise permitiam a visualização online do que estava ocorrendo. Um trabalho em completa sinergia possibilitou que os problemas fossem previstos e resolvidos antes de comprometer o atendimento. Assim, todos os atendimentos dentro do complexo foram mantidos.
Mas isso não seria suficiente sem uma infraestrutura prévia que desse suporte a esse trabalho. Nesse sentido, o HCFMUSP realizou nos seis últimos anos uma mudança estrutural na forma com que adquire, controla o estoque e distribui seus insumos, incluindo um moderno centro de logística. Só assim – e com a profissionalização da gestão de leitos, prontuários eletrônicos e a adoção das medidas tomadas na crise – é que foi possível garantir os atendimentos de urgência e emergência e mesmo as cirurgias eletivas. O investimento em infraestrutura durante os períodos de normalidade é, portanto, fundamental para que, nos picos críticos, as unidades de saúde estejam preparadas para superá-los.
Áreas instáveis como o estoque do banco de sangue, com a Fundação Pró-Sangue, tiveram atenção especial e o resultado foi extremamente positivo, com uma campanha de comunicação bem-sucedida para que a população doasse sangue. Fica claro, assim, que é preciso falar corretamente tanto com o público externo quanto com o interno, principal‑ mente nesses momentos. Da mesma forma, setores sensíveis, como a nutrição, conseguiram agir com velocidade e organização, garantindo o atendimento de pacientes e familiares.
Essa situação vale como uma lição para o SUS, que pode replicar o procedimento em outras unidades, provando que é possível ter uma gestão similar ou até superior às melhores instituições privadas. Há um SUS que funciona e no qual a população confia. É preciso fortalecê-lo sempre. Mas não se pode prescindir dos investimentos públicos necessários para que unidades como o HCFMUSP garantam o atendimento à população.
*Antonio José Pereira é superintendente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Artigo publicado na revista Problemas Brasileiros, edição especial de setembro de 2018