Fechar

Política

ago 27, 2018

Abstenção crescente reacende discussão sobre voto obrigatório

Nas eleições gerais deste ano, que ocorrem em 7 de outubro, aproximadamente 147,3 milhões de brasileiros estarão aptos a votar, mas uma grande parcela não deve comparecer às urnas. Em 2014, quase 20% do eleitorado decidiram não participar do pleito. De lá para cá, se servirem de termômetro as eleições suplementares para governador no Amazonas (agosto de 2017) e no Tocantins (junho de 2018), o descaso com a participação democrática só cresceu: no primeiro Estado, quase 37% dos eleitores não votaram, e no segundo, mais de 43%. Preocupado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prepara uma campanha para ressaltar a importância do voto.

Diante desse cenário, uma discussão inevitável quando se fala em eleições ganha mais força: o voto deveria continuar a ser obrigatório no Brasil?

Uma discussão sobre direito e dever

O coordenador do Laboratório de Política e Governo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Milton Lahuerta, explica como enxerga a dicotomia entre direito e dever que cerca o assunto. “O voto é uma conquista civilizatória importante no sentido de ampliar a democracia, e, nesse sentido, é um direito, mas também é uma obrigação do cidadão para com a comunidade. Então, penso que a discussão sobre o voto obrigatório muitas vezes é colocada de uma maneira muito simplista e precipitada”, afirma.

O ex-presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, tem um posicionamento claro ao discutir a contradição do tema: para ele, em última instância, o voto “é facultativo, não obrigatório”, já que alguém pode deixar de exercê-lo e simplesmente pagar uma multa de R$ 3,54 para regularizar sua situação com a Justiça Eleitoral. “Há um contrassenso: como é que eu posso admitir que algo seja, ao mesmo tempo, um exercício da cidadania, um direito do cidadão, e uma obrigação desse mesmo cidadão? Isso leva a certos eleitores comparecerem à urna aborrecidos, contrariados com o que estão fazendo, ou de simplesmente não darem importância ao ato de votar”, analisa.

Para outro ex-presidente do TSE, o também ministro do STF José Dias Tofolli, não há dúvidas de que o voto deveria continuar obrigatório. “Nós temos de entender que a participação política é um dever, não um direito”, justifica. Nós temos de incutir na pessoa, no cidadão, a ideia de que se ele vive em comunidade e numa nação, tem obrigações com essa nação, e a primeira delas é de não se omitir […] As pessoas não podem ter aquela posição confortável de dizer ‘eu não vou votar, porque nenhum presta, ninguém me representa’.”

O argumento de usar a obrigatoriedade para incentivar e conscientizar o brasileiro sobre o voto não faz sentindo para o historiador e cientista político Boris Fausto. Ao abordar o assunto, ele ressalta que o Brasil já fez “muito esta experiência de levar, com uma dose de coerção, as pessoas às urnas”. “Hoje, acho que já estamos em tempo de ter um princípio sobre o voto de que ele seja sobretudo um direito, e não uma obrigação. Haverá alguns problemas com isso? Pode haver. Se houver uma grande abstenção, é porque um contingente grande da população não quer votar, e por que não deixar que isso aconteça?”.

Prós e contras para a democracia

O filósofo Luiz Felipe Pondé acredita que a parte da população mais suscetível à manipulação não poderia ser cooptada facilmente com o voto facultativo, portanto, acredita que uma mudança nesse sentido seria benéfica. “Aqui, no Brasil, é comum se dizer que, se o voto não fosse obrigatório, ninguém iria votar. Acho que isso pode até ser verdade, mas o medo está em outro lugar. O medo está em que as pessoas facilmente manipuladas na hora do voto não iriam votar, porque perderiam o interesse nisso”, diz. “Na medida em que o voto não é obrigatório, o candidato não tem que só convencer você a votar nele.”

Voto facultativo é sinal de perigo para a própria democracia, na visão do presidente da Academia Internacional de Direito e Economia (Aide), Ney Prado. “Num país onde existe pouca consciência cidadã no tocante ao voto, as minorias ativistas, que por serem ideológicas sabem realmente o que desejam – e que, muitas vezes, nem sequer se opõem ao governo, mas contestam o próprio regime –, poderão, face à maioria silenciosa, galgar ao poder e subvertê-lo”, afirma.

O advogado constitucionalista Marcus Vinícius Furtado diz que retirar a obrigatoriedade da participação dos pleitos pode criar um novo esquema de corrupção eleitoral. “O temor, que pessoalmente verifico em relação ao voto facultativo, é que haja esse novo tipo de abuso de poder no Brasil – comprar as abstenções das pessoas que se imagina que tendam a votar contrariamente a um determinado político. Isso, nos rincões do brasil, nas cidades menores, pode ser algo preocupante”, argumenta.

Já para o jornalista e sociólogo Demétrio Magnoli, a obrigação de voto que permanece vigente no País é um dos motivos que dificulta a criação de um novo modelo de administração pública. “O voto obrigatório faz parte da nossa herança varguista e corporativa. Ele garante que, por pior que seja o sistema político, ele não será deslegitimado pelo boicote das pessoas às urnas”, critica. “A elite política agradece.”

OBRIGADO POR SE CADASTRAR NA NOSSA NEWSLETTER! AGORA VOCÊ IRÁ RECEBER INFORMAÇÕES SOBRE QUESTÕES POLÍTICAS, ECONÔNICAS E SOCIAL DO BRASIL. CADASTRE-SE E RECEBA NOSSA NEWSLETTER!