Varejo “com causas” e valorização do humano são fundamentais para os negócios que querem sobreviver
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Apesar de ser um setor com grande demanda, a cadeia cacaueira enfrenta dois desafios que estão no núcleo das discussões sobre o que será o futuro dos negócios: a pressão causada pelas mudanças climáticas, além das condições justas de remuneração dos produtores – a “linha de frente” sem a qual não existe entrega.
“O estresse causado, seja pelo excesso de chuva, seja pela falta de água, tem gerado flutuações na produtividade anual do produtor, com reflexo direto no fator financeiro. Não tem como achar que nós não vamos pagar esta conta”, afirma Estevan Sartoreli, CEO e fundador da Dengo Chocolates. “[Por outro lado], pela perspectiva de um negócio, é preciso lembrar que não vai existir cacau de qualidade se não existir produtor, e para que possamos reter produtores no campo – que consigam sustentar suas famílias –, precisamos olhar pela ‘ótica’ da renda.”
Em entrevista ao UM BRASIL, uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Sartoreli explica que a Dengo Chocolates nasceu em 2017 com a missão de levar desenvolvimento aos pequenos produtores do sul da Bahia, por meio da geração de renda, adotando práticas de plantio que conservem as florestas e a boa qualidade das áreas produtivas, visando à restauração agrícola das áreas de plantação degradadas.
A cadeia cacaueira, conforme Sartoreli analisa, é altamente sensível a preços e focada em uma competição por custos, de forma que há uma necessidade de mudança, sobretudo de se entender que há externalidades inerentes à produção. “Precisamos incorporar as questões de saúde, de renda, de respeito ao meio ambiente e de custeio sobre o que consumimos”, enfatiza. “Não há nada melhor do que um negócio como agente de transformação socioambiental. Os negócios que não têm compromissos socioambientais ou com causas importantes em seu core já estão morrendo. A geração que chega quer trabalhar com propósito.”
O CEO reforça que a atividade de produção de cacau no Brasil conta, atualmente, com cerca de 93 mil estabelecimentos, dos quais 69 mil estão localizados só na Bahia, e, apesar de ser uma atividade que encontre grande demanda, quase metade dos produtores tem renda mensal de meio salário mínimo. “Tudo isso para sustentar uma família com três ou quatro pessoas. Uma situação sensível de renda. A faixa etária média desses produtores é de 62 anos, e muitos deles nunca estiveram em uma sala de aula, ou tampouco têm o ensino primário incompleto. Este é o panorama de fundo da cadeia cacaueira no Brasil, e ainda não somos o pior cenário”, pondera.
Sartoreli frisa que, mesmo que três quartos do cacau do mundo sejam oriundos da África, os produtores de lá ganham US$ 0,56 centavos por dia, o que compreende apenas 40% da renda para a subsistência. “Na África, há 2,2 milhões de crianças envolvidas no trabalho infantil da cadeia cacaueira. Um produto que gera tanto prazer esconde uma mazela de cadeia dos pontos de vista social e ambiental.”
Sartoreli é membro do Comitê ESG da FecomercioSP.
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