Novos desafios da educação em um mundo tecnológico e multicultural
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O papel da escola é “educar para a diferença”, defende David Justino, ex-ministro da Educação de Portugal.
Em meio às dinâmicas migratórias de um país que já soma mais de 1 milhão de estrangeiros residentes, a escola se torna, cada vez mais, um espaço para a descoberta da diversidade.
“O que está a chegar, hoje, ao sistema de ensino é uma multiculturalidade, uma diversidade de origens, com características religiosas e linguísticas completamente diferentes. Esse é um dos grandes desafios: vamos ter de adaptar o sistema de ensino”, explica.
Para o professor catedrático da Universidade de Lisboa, a escola deve estar preparada para ensinar as novas gerações a compreender e tolerar a diferença.
Em entrevista à Revista Problemas Brasileiros e ao Canal UM BRASIL — realizações da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, Justino ainda comenta os desafios da educação frente às novas tecnologias e a relação entre ensino e mercado.
Educar para a diferença
- Dinâmicas migratórias. Ao longo dos últimos sete anos, Portugal se tornou um popular destino de imigração, batendo recordes sucessivos e quase dobrando a população de estrangeiros vivendo no país. Em 2023, o número de imigrantes residentes ultrapassou 1 milhão pela primeira vez, chegando a 1.044,606 — um salto de 33,6% em apenas um ano. Essa dinâmica migratória integra diferentes culturas, nacionalidades, religiões e idiomas dentro de um só território.
- O papel da escola. “Ensinar hoje não é a mesma coisa que há 20 ou 30 anos. Atualmente, há novos fluxos migratórios. Há 10 ou 15 anos, a maioria dos filhos de imigrantes vinha de países em que o português era a língua oficial. Havia alguma afinidade”, explica Justino. Sem o idioma em comum, a compreensão das matérias escolares fica prejudicada. Mas esse não é o único entrave.
- Desafios do multiculturalismo. A chegada de uma diversidade de línguas, religiões e culturas ao sistema de ensino reforça o papel da escola em “ensinar para a diferença”, defende o professor. “Nós vamos ter de adaptar o sistema de ensino. A escola precisa capacitar as novas gerações com um conjunto de valores que permita, no fundo, entender, compreender e, acima de tudo, tolerar a diferença. Isso é a base da liberdade”, conclui.
Uso da tecnologia impõe obstáculos
- Novos dilemas. À questão do multiculturalismo, soma-se mais uma: o das novas tecnologias. O dilema envolve o uso de celulares na sala de aula; a digitalização de textos, livros e manuais escolares; e a utilização do computador e da Inteligência Artificial, explica Justino.
- Pedagogia digital. Segundo o professor, as reações iniciais da escola frente às novas tecnologias costumam ser de rejeição ou de adoção acrítica, sem qualquer adaptação ou reflexão. Diferentemente dessas posições, está a “pedagogia do digital”, defendida por Justino. “É um instrumento para que os alunos aprendam mais e melhor. Tem de se experimentar. Não podemos rejeitar ou nos tornarmos meros utilizadores”, explica.
- Sem perder a liberdade. Ao contrário de oferecer uma formação orientada para o consumo das tecnologias, a escola deve capacitar os alunos para uma reflexão sobre como essas ferramentas podem servir para “fins próprios” e para “objetivos que sejam claramente delineados”. “Se não for assim, seremos escravos das tecnologias. E é isso que nós não queremos, porque, assim, perdemos a liberdade”, ressalta o professor.
Educação além do mercado
- Oportunidades. O ex-ministro da Educação de Portugal acredita que não faz sentido formar pessoas se não houver, no mercado, as vagas para empregá-las de acordo com suas qualificações. “A afirmação de que investir em educação contribui para o aumento da riqueza nacional só é verdade se a economia produzir as oportunidades”, explica Justino.
- Muitos entram, muitos saem. Sem essas oportunidades, resta aos portugueses o subemprego ou a fuga ao exterior. Se o país registra altos fluxos migratórios, os números de emigração não ficam atrás: mais de 2 milhões de pessoas nascidas em Portugal vivem hoje em outros países, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). “A escala e a estrutura do empresariado português são relativamente reduzidas e pouco dinâmicas para absorver as qualificações produzidas pelo sistema de ensino”, salienta o professor. “Portanto, o problema não está na educação, mas nas estruturas industrial, comercial e empresarial”, justifica.
- Mais que indivíduos. Justino ainda afirma que, muito além de indivíduos voltados ao mercado, a educação deve formar pessoas e cidadãos. “Precisamos tornar os indivíduos em pessoas. Pessoas que vivam em sociedade, que tenham um conjunto de valores e de responsabilidades para com os outros”, afirma. Essas duas facetas, aliadas à formação profissional, formam uma espécie de tripé. “Se você apenas olhar para o pé do mercado, corre-se o risco de o banco cair”, defende Justino.
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