A despeito do empenho do setor corporativo por mais ações voltadas à contratação de pessoas negras, a inclusão ainda depende de outros esforços que possibilitem a esta parcela expressiva da população ter mais condições de construir carreiras e evoluir em espaços historicamente restritos a poucos.
“Quando se fala na população negra brasileira, é aquela que vem de um ambiente socioeconômico mais desfavorecido. Então, não se trata somente de aumentar o porcentual de pessoas negras na instituição de uma hora para a outra. É importante que o ambiente de trabalho seja preparado para recebê-las, mas eu não vejo isso acontecendo tanto”, alerta Laiz Carvalho, economista para o Brasil do BNP Paribas – um dos mais tradicionais bancos europeus. Ela é primeira mulher negra a assumir o posto de economista-chefe em uma instituição financeira no País.
Laiz esclarece que as principais áreas do setor financeiro pelas quais passou (Compra e Venda de Ativos, Gestão de Fundos e Econômica) ainda são espaços muito restritos e masculinizados, mas que, felizmente, vem se transformando aos poucos. “O mercado, como um todo, percebe que sem a diversidade não há diálogo. Ainda há muitos desafios, com muitas piadas e preconceito, mas faz parte do meu trabalho sempre ‘trazer esta noção à mesa’ quando presencio este tipo de coisa. Para as mulheres pretas e pardas dentro do mercado financeiro, o ambiente acaba ficando bem mais difícil.”
Ela participa da primeira entrevista de uma série especial do Mês da Mulher, comandada pela jornalista Raquel Landim, nova entrevistadora do Canal UM BRASIL, uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Laiz frisa que, apesar da falta de CEOs negras no ramo financeiro, no qual ela atua, não há uma grande preocupação dos negócios em formar mais líderes para os altos cargos, somente para atrair as pouquíssimas que já os ocupam. “[É quase como:] ‘Eu preciso de uma CEO negra para amanhã’, mas sabemos que, talvez, só haja uma ou duas atualmente neste mercado”, exemplifica. “Ainda falta uma curva de aprendizado para que a gente consiga tanto receber estas pessoas quanto desenvolvê-las de modo que, quando surgir a oportunidade, elas estejam prontas.” Para tanto, a economista enfatiza que, além de criar um ambiente adequado para que estas pessoas se desenvolvam, é essencial que o mercado vá além da busca apenas por estagiários(as) ou trainees – que também são importantes –, de forma que abra as portas para que profissionais em outros níveis de carreira também sejam preparados(as) para postos-chave na organização.
Políticas afirmativas
No bate-papo, Laiz ainda comenta a importância de políticas afirmativas para pessoas negras e em situação econômica menos favorecida, com as quais ela teve contato quando entrou na universidade. Contudo, em relação a este ponto, ela demonstra que ainda há muito trabalho a ser feito pelo setor corporativo: quando estes profissionais conseguem ter acesso a mais cargos nas empresas, muitas vezes sofrem discriminação e críticas veladas, como se não estivessem ali pelo mérito, mas simplesmente pela cota. “Não é abertamente falado, mas você ouve isso sendo cochichado nos corredores”, diz.
A economista reforça que essa discriminação gera dois problemas: o primeiro, quando isso parte de quem contrata, ou seja, quando o(a) líder não tem noção da desigualdade existente no Brasil e pensa que o(a) funcionário(a) negro(a) ou mais pobre está sendo empurrado(a) pelos Recursos Humanos (RH) – o que já gera uma relação de trabalho estressada logo de início. O segundo reflexo é sobre a população minorizada. “Eu conheço muitas mulheres, principalmente negras, que não se candidatam para vagas afirmativas, temendo este tipo de reação [não ser reconhecida pelo mérito]”, esclarece.
“A cota, ou ação afirmativa, veio para ser temporária, enquanto não chegamos a ponto em que as oportunidades sejam iguais para todos. Precisamos acelerar isso, com as ações afirmativas, e educar tanto quem já está na empresa quanto as pessoas minorizadas para que entendam que, se estão ali e passaram pelos processos seletivos, é porque as empresas as consideram boas e capazes, mas que não teriam tal oportunidade de outra forma”, defende a economista. “Ações afirmativas são o ponto-chave para que o mercado tenha ‘caras’ mais parecidas com a composição socioeconômica do Brasil.”
Rede de apoio
A economista-chefe é fundadora da Black Swan, plataforma de apoio a mulheres negras no mercado financeiro. “Com este grupo, percebi que as histórias das mulheres se cruzam em vários pontos: algumas eram mais velhas, mas estavam estagnadas vendo todos ao seu redor sendo promovidos; temos também as mulheres mais jovens entrando neste mercado e que precisam de ajuda; e ainda as que conseguiram chegar longe, mas passando por várias coisas que não deveriam ter enfrentado. O grupo, de início, era de empoderamento; depois, também se tornou um hub de vagas”, explica. Atualmente, são 175 mulheres integrantes.